sábado, 30 de outubro de 2010

Kathmandu

Depois dum vôo meio angustiado, pensando no caos que minha vida será caso as autoridades de imigração nepalesas barrem minha entrada no país, em razão de restar apenas 4 meses de validade em meu passaporte, em vez dos 6 exigidos pelas leis do país, chego a Kathmandu, após 22 horas de viagem, com uma breve escala de 4 horas em Doha, capital do Qatar. Na fila, esperando minha vez pra ser atendida pelos funcionários do departamento de imigração, no Tribhuvan International Airport, suo frio só de pensar no vexame de ser deportada pro Brasil após muito chororô e apelação. Mastigo mentalmente a expressão have pity on me, aprendida enquanto assistia a um filme indiano durante o longo vôo de 14 horas entre Sampa e Doha. E pela enésima vez repasso a frase que vou dizer ao funcionário caso ele barre minha entrada: “Please, have pity on my situation, mister, don’t send me back to Brasil, please!!” Minha dúvida é se choro ou se junto as mãos em súplica enquanto falo essa frase ou se faço as duas coisas ao mesmo tempo. Não à-toa meu nome é BeATRIZ. “Mas é claro que tu vai chorar, mulher, nem precisa fingir, tu vai te debulhar se eles não te deixarem entrar e te mandar embora daqui mesmo do aeroporto pro Brasil, ah, se vai!!”, exclamam sem dó nem piedade os meus botões. Bah, já pensou? Eu, no Brasil, explicando que do Nepal só conheci o aeroporto? Que mico vou pagar!! Ai que horror!! Não gosto nem de pensar!! Tento não perder a pose e elaboro em minha cabeça um plano B (será uma viagem ao Peru pra conhecer o canyon Colca, antecedida por uma permanência de 4 dias em Campinas com minha prima, lambendo minhas feridas). Mas, graças a JC, aos deuses indus (são mais de 32 milhões) e ao Buda, não dá nada. Passo na boa, com meu passaporte sendo carimbado – uufaaa - por um amável funcionário com cara de chinês. E faceira entro na sala onde estão sendo descarregadas as bagagens me sentindo o ó do borogodó. Em Kathmandu, o fuso horário são 8 horas a mais, então isso quer dizer que, enquanto vocês, meus compatriotas, ainda estão no passado, euzinha estou no futuro, tão ligados? Vocês no bom do sono ou iniciando a balada do final de semana, e eu a caminho do meu hotel, numa bela e azulada manhã de sábado, tendo como cenário o Anapurna com suas cumbres cobertas generosamente de neve. Espera-me, segurando um cartaz onde se lê Ms. Azevedo, um simpático Sonam, sócio de Sunir, dono da FarOut Nepal, agência que contratei, via internete, pra organizar meu trekking de 14 dias até o Mera Peak. Ele me leva até o Kathmandu Resort Hotel, onde ficarei hospedada durante minha permanência de 4 dias na cidade. Localizado num beco do famoso bairro Thamel, o hotel tem terraços com mesas e cadeiras, jardineiras floridas, e até coelhos. Um mar de bandeirolas coloridas de orações budistas estão penduradas duma ponta a outra do amplo terraço. Sonam explica que houve ou haverá (não entendi direito o inglês dele) recentemente um festival budista motivo por que a cidade se encontra tão engalanada. Conversamos enquanto espero que arrumem meu quarto. Encantada com tudo, inclusive com o ar sujo e encardido das ruas que entrevira durante o trajeto aeroporto-hotel, assim que tomo posse de meu aposento, largo lá minhas bagagens e me mando pra rua. Thamel, um bairro estritamente comercial, é um labirinto de estreitas e sinuosas ruas. Uma loja ao lado da outra, onde são vendidos belos artesanatos, jóias, roupas, comidas, enfim, tudo o que se possa imaginar. É um grande bazar onde fervilham ambulantes que te atacam na rua pra vender bugigangas, como colares, pulseiras e instrumentos musicais típicos. Os comerciantes quando vêem algum turista olhando a vitrine já saem do interior de suas lojas, numa insistência carinhosa pra vender suas mercadorias. Um cheiro de incenso paira no ar. Nas apertadas ruelas, uma quantidade incrível de riquixás, motos, bikes e carros buzinam sem cessar, alertando os transeuntes de sua passagem, já que calçadas praticamente inexistem. Sinto-me no mundo da lua, um pouco pelo fuso horário, outro por só ter dormido 2 horas desde sexta-feira, e outro tanto pela psicodelia da cidade. Como algo e vou pro hotel tirar um cochilo antes de sair pra jantar. Acordo às 18 horas com Sunir e Sonam batendo na porta de meu quarto. E lá vamos nós os três, caminhando em meio àquela balbúrdia de fim de tarde, até os jardins do Narayanhity Royal Palace onde há um restaurante. Sou apresentada a Caroline, a inglesa que fará o trekking comigo. Alta, magra, loira e de olhos azuis, vestida elegantemente com um slack branco e blusa idem, cheira a perfume francês. Como toda falante, é simpática. Conheço, ainda, Nima, o trekking guide, e Nara Dorji, o cozinheiro. Durante o jantar, regado a Moet Chandon e vinho francês, fico sabendo que além dos já conhecidíssimos sherpas, há outros cinco grupos étnicos, a saber: Tamang, Magar, Grurung, Rai e Limbu. Tanto o guia como o cozinheiro são tamang. De volta ao hotel, já deitada, assisto a musicais cafonérrimos em que os personagens são retratados de forma pueril, tudo regado com tímidas pitadas de sensualidade. Os clipes não se resumem só à cantoria, há dançarolas animadíssimas com os cantores e as cantoras sacudindo muito a parte superior do tronco. Lembram-me os musicais da Hollywood dos anos 40, altamente bregas, entretanto. Num dos clipes, adorna a cabeça do cantor, cuja cara de cafajeste é de filme de terceira categoria, uma peruca semelhante à que o falecido Didi dos Trapalhões usava quando vivo. Adormeço, assim, em meio a juras de amor cantadas em indiano. Outra vez na Ásia! Namastê!!

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