segunda-feira, 11 de outubro de 2010

O regresso

Acordo tarde, no sábado, por volta das 8. Kaloca, deitado ao lado, comenta que gemi durante a noite. Também pudera, fazia horas que não caminhava tanto. O corpo reclamou com razão do esforço despendido, uai. O tempo apresenta-se com melhor aspecto. Oxalá não entre numa de imitar a carranca de ontem. Quando vou ao banheiro, situado na casa dos caseiros, vejo Bia deitada na cama. Aproximo-me do quarto e pergunto “Vendo tevê, é Bia?” “Não pega, não”, responde ela. Então viro pro aparelho e o que vejo? Aquela habitual criatividade dos filmes pornôs, exibindo a indefectível cena do homem transando com uma mulher por trás. Meu deus, filme pornô no café da manhã! Encabulo, acreditam? Bia que, aparentemente, não estava nem aí pro tal filme, nem se abala; Diga, contudo, escapole porta afora, com um sorrisinho meio culpado meio safado no canto da boca; já o tal amigo de infância de Bia que se encontra deitado na cama do casal, com a cara voltada pra parede, se vira e alonga pernas e braços preguiçosamente. Que cena, que cena!! Bueno, após várias confabulações, se Itapiroca ou Caratuva, decidimos pelo segundo, considerando que é o segundo maior da região sul, com 1.860 m. Se o tempo permitir, iremos, então, ao Itapiroca. Após um café da manhã reforçado, outra vez nós aí perneando Getúlio arriba. Dessa feita, tá duro subi-lo. Meus músculos, ressentidos da ascensão ao Pico Paraná, movem-se com vagar, pesados que estão do desgaste físico. A trilha lembra muito a de ontem, com o mesmo tipo de mata atlântica ombrófila densa montana, onde se vêem dezenas de orquídeas sophronitis agarradas nos galhos das árvores revestidos por espessas camadas de musgo. Sua fisionomia sombria e úmida seria cenário perfeito pra filmar uma Bruxa de Blair tupiniquim ou um dos aterrorizantes filmes de Zé do Caixão. Íngreme, o aclive, em alguns trechos, apresenta trepa-pedras mais ásperos cuja escalaminhada é facilitada pelas agarras formadas pelas raízes que emergem abundantes terra a fora. Quase no topo do pico, a vegetação vira campo de altitude, com o terreno coberto de caratuvas, plantas pertencentes à subfamília dos bambus, cuja pequena estatura não ultrapassa 1 m de altura. Uma de-si-lu-são o cume do Caratuva. Nem apetece tirar fotografias. Pra que posar em frente a torres repetidoras de sinais de radioamadores e de telefonia? Ou diante da “atraente” casinhota de cimento? Putz, meu, montanhista algum merece os ecos dum cenário tão “civilizado” assim. Vade retro, urbe, vade retro!! O tempo que, até então estava nublado, fecha totalmente e nada se vê novamente da paisagem ao redor. Nos unimos a um grupo de 5 gurias e um guri, todos curitibanos, e lanchamos no interior duma nuvem, formada por uma insidiosa poeira, não a cósmica, mas a aquosa, num clima bastante..........úmido! Trocamos lanches. A galera, muito agradável, contraria a fama de que o curitibano é fechado e pouco acessível. Aliás, não encontrei unzinho curitibano antipático, nem mesmo na capital, quando fui me informar sobre o bairro Santa Felicidade onde moram meus amigos. Pode até ser que a galera montanhista seja diferente da galera urbana, mas o fato é que todos foram super prestativos e pra lá de atenciosos conosco. Ficamos ali justo o tempo de lancharmos. Já recuperada de minha fadiga, desço serelepe a trilha, ultrapassando Kaloca que, cavalheirescamente, ajuda uma das gurias a descer um trepa pedras. Quando ultrapasso o encruzo, saindo da mata, percebo que o tempo começa a abrir. Pra minha alegria, vejo descobertos os picos Itaipabuçu, Caratuva e Itapiroca. Piro com o primeiro, lindíssimo, com três cumes e um lindo canyon que rasga uma de suas encostas. São as únicas fotos que consegui das montanhas da região, fazer o quê, né? Conversando com um casal que acampara no Itapiroca, soubemos que eles também não conseguiram ver nada da paisagem hoje pela manhã. É, realmente, São Pedro aprontou uma peça pros turistas no feriadão!! Eita santinho bem ruinzinho este!! A caminhada, leve, não ultrapassa 5 horas de pernada. De volta ao acampamento, conheço o dono da fazenda, o Dílson, gente fina, profundo conhecedor da região. Entro na casa e Bia, pra variar, deitada na cama vê tevê. Pergunto da porta do quarto se o filme ainda é aquele da manhã. Ela faz um gesto pra eu sentar na cama. Está passando Alice no País das Maravilhas. “Já vi 7 vezes”, comenta a guria. Bonitinha, está no terceiro casamento embora só tenha 18 anos. Voz mansa, conta sua vida em rápidas pinceladas. Casa aos 12 porque o padrasto é chato. Embarriga aos 14 mas o bebê, quando ela faz exame pré-natal aos 6 meses de gestação, está morto há 5 dias. Permanece casada quando, aos 16, se separa e vai viver com outro rapaz. Como bebe muito, ela larga dele. O cara, deprimido, toma um tragoléu e morre atropelado na BR. Daí ela conhece Diga com quem vive atualmente. No primeiro dia que chegamos, ela nos convidou pra dormir numa cama de solteiro que fica aos pés da cama de casal. Diante da minha recusa, ela comenta “ah, vocês se debatem muito é?” O cabeça do casal é ela; Diga, um cara manso, só obedece, sem discutir, hehe. E o resto da tarde aquela garoinha azucrinando...tsk tsk. À noite, o céu abre-se e as estrelas dão pinta brilhando sobre nós. “Que raiva, Kaloca, justo no dia que vamos embora, vai começar a fazer bom tempo”. E quando acordamos na segunda-feira, a mesma garoinha pegajosa dá bom dia pra nós. Deixamos a fazenda bem cedinho, e, já às 7 e 30, estamos deixando o restaurante do Tio Doca onde paramos pra tomar café e provar os doces e salgados de fabricação própria que levam a galera das montanhas a cometer o pecado da gula após o término de suas aventuras. É point obrigatório pra todo montanhista que se preza fazer um pit stop no posto de gasolina pra comer os quitutes. Por sugestão de Emerson, descemos a serra da Graciosa, enevoada, coberta de brumas. Uma pena, mesmo assim deu pra sentir a beleza do lugar com sua estradinha calçada de paralelepípedos, muretas de pedras e bicas d’água ao longo de seus 33 km. E numa das tantas curvas da mimosa estradinha, sabem o que salta diante do carro? Um ratinho apressado! Célere, cruza a estrada vindo, adivinhem donde? Das bandas da Fazenda Pico Paraná! E levanta uma patinha em nossa direção como se estivesse abanando! Ah, só pode ser ele, o nosso ratinho larápio! Pois não é que o querido gatuno, gratíssimo pela merenda que lhe proporcionamos durante o findi, veio se despedir de nós?! Fofucho demais ele! No que saímos da serra, o tempo já está bem desanuviado e quando deixamos Morretes pra trás, num distrito chamado Floresta, o céu exibe-se todo azul, revelando, no horizonte, uma sucessão de picos cujo destaque é a bela formação piramidal, chamada Pico do Inglês. E outras interessantes montanhas vão se sucedendo ao longo da rodovia paranaense. Graças a Daniel, seguimos até Guaratuva, evitando assim ter de subir a serra novamente pra pegar a 101. Embora a viagem tenha durado 11 horas, foi super legal conhecer o litoral paranaense e fazer a bela travessia de Caiobá-Guaratuva num ferrry boat. Quando entramos em Santa Catarina, deslizam através da janela morros e picos bastante atraentes. Só entramos na 101 em Garuva, perto de Joinville. Paramos pra almoçar em Governador Celso Ramos onde Kaloca pretende fazer um salto de paraquedas, desistindo, entretanto, porque demoraria muito até chegar sua vez. Em Garopaba, uma espiada na Mormai pra comprar neoprene. E, às 17 e 50, chegamos em Praia Grande, saudados pelos canyones Malacara e Churriado de cujas gargantas vibram alegres boas vindas!!

Um comentário:

Paulo Roberto - Parofes disse...

Cacete, filme pornô de café da manhã e ainda por tras é foda hein...Bom, com uma vida tão curta e já com tantas cicatrizes como estas, não é de assustar não.
Em relação ao Caratuva, a casinha e as antenas estragam a foto, mas só de volta pra cidade e a BR! De lá rola uma foto linda pro PP e outras montanhas, na outra extremidade do cume onde fica o camping...Bem, com o tempo ruim não perdeu nada mesmo....rs
Volte lá com tempo bom!