Já em treinamento pro trek que vou fazer no Peru, hoje a caminhada vai ser em Morrinhos do Sul, município gaúcho perto da divisa com Santa Catarina. Sábado, saímos de Praia Grande, eu e Kaloca, percorrendo uma estradinha de chão batido que não é lá das piores. Eu, toda pimpona, até arrisco algumas manobras mais ousadas enquanto dirijo. Kaloca, que tem medo de andar de carro, vai meio tenso ao meu lado, hehehe. Um som maneiro rola no cd player, com direito a Pink Floyd, Los Hermanos, Nei Lisboa, Naná Vasconcelo, Nara Leão e músicas indianas. Deixamos o carro num sítio, na comunidade de Tajuva, cujos donos são pequenos agricultores. Descendentes de alemães, cultivam cana de açúcar pra fazer cachaça, banana e variados legumes que vendem na Ceasa. A dona da casa assa umas roscas de polvilho no forno de barro. Em vez de forma de alumínio, usa folhas de bananeira de modo a evitar que os biscoitos queimem por baixo. Seguimos por uma estradinha até alcançar o topo duma colina de onde se descortina o litoral gaúcho. A visibilidade, magnífica, permite avistar nitidamente as praias de Arroio do Sal e Torres, além da lagoa de Itapeva. Dia lindo, céu claro, temperatura amena em torno de 23º C, embora estejamos no inverno. Adentramos o canyon por uma trilha aberta pelos tropeiros que conduz até o alto dos campos de cima da serra. Nada difícil, a caminhada é bem curta, coisa de 2 horas. A única dificuldade é carregar a mochila, cujo peso beira os 5 quilos. No mais, tudo é tranqüilo. Pela primeira vez, vejo um bando de bichos que penso serem lontras. Um deles me olha curioso enquanto aponto a máquina e o filmo. Logo dispara mata adentro, juntando-se ao resto do bando. Quando comento com Kaloca, ele explica que são coatis fugindo dos caçadores que se encontram, no vale, caçando. Eu bem que escutara uma barulheira, mas supus serem fogos de artifícios. Qual o quê! Eram tiros de espingardas, isso sim! Antes de armarmos o acampamento, damos uma banda pelos arredores, avistando ao longe a serra do Pinto. Uma beleza de paisagem. Escolhido o lugar, Kaloca monta a barraca e vamos ver o pôr do sol encarapitados numa pedra que se debruça sobre o vale. A luminosidade alaranjada do sol poente é um convite à fotografia, e os incessantes cliques da máquina tentam reter um pouco daquele esplendoroso fim da tarde. As luzes das cidades e vilas começam a se acender e o cenário, daqui de cima, assemelha-se a uma gigantesca árvore de natal. Voltamos ao acampamento já noite fechada. Kaloca acende, rapidinho, um fogo e lá ficamos conversando enquanto jantamos em frente à fogueira. No céu, estreladíssimo, distinguem-se, perfeitamente, as nebulosas da Via Láctea. Deito na grama e deixo meus olhos deslizarem pelo firmamento coroado de estrelas. A sombra escura dum pássaro voa, célere, sobre minha cabeça. É boa demais essa vida! Lastimo o sono que me pesa nas pálpebras e, assim, me recolho, enquanto Kaloca permanece bem contente ao pé do fogo. Durmo um sono só, acordando às 7 horas. Saio da barraca, sentindo na pele o frescor matinal. Tão revigorante isso tudo: o céu límpido, a grama molhada de orvalho e, lá embaixo, o vale recoberto, ainda, pelo manto branco da geada que teima em pairar sobre a terra. Sigo até o riacho pra pegar água e quando retorno, encontro meu amigo ainda deitado. Diz ele que, sem isolante, dormiu mal...tadinho! Não quis trazê-lo pra não pesar demais na mochila. Também pudera, ela é qualquer coisa de pesada! Leva, além de barraca e outras traquitandas, 100 metros de corda pros rapeis que iremos fazer na garganta Tajuva. Às dez estamos já iniciando os procedimentos pra descer a primeira cachoeira que se revela, embora a altura seja apenas de 25 m, um pouco complicada. Trata-se dum brete, e as pedras, por onde escorre a água, são pontiagudas demais, exigindo certa cautela. Nem bem avanço dez metros sobre as pedras que recobrem o leito do rio, eis a segunda cachu. Maior moleza descer seus 10 m. A terceira queda exige duas cordadas, uma de 30 e outra de 45 m. Como meu neoprene não é lá dos melhores, damos balão em 4 cachoeiras porque apresentam poços fundos, cujas águas estão geladíssimas nesta época do ano. Uma pena porque são beleza pura de se rapelar, em especial a sétima e oitava cachoeiras, esta última com 45 m. Me aguardem, cachus, porque voltarei no verão, com certeza! Os rapéis na nona e décima cachoeiras são barbadas, faço num abrir e fechar de olhos. O Tajuva, na verdade, não chega bem a ser um canyon, está mais pra ravina. Mesmo assim é muito bonito e fácil demais sua travessia, completada em cinco horas. Paramos num potreiro e de lá admiramos a linda parede sul do Tajuva enquanto me desvencilho da cadeirinha, capacete e neoprene, trocando por roupas secas. Sentados na relva, comemos as sobras de nosso rango. No retorno, colhemos, de um pé de bergamoteira, plantada ao lado da estrada, algumas frutas que saboreamos durante a pernada até o sítio. Compro dois litros duma cachacinha feita no alambique do tiozinho por R$ 2,50. Ao chegar a Praia Grande, olha só o que me espera: um baita pedaço de costela que Pauleca, marido de Mariazinha, estava assando há 4 horas. Como até fartar grossas fatias da suculenta e macia carne com aipim cozido, regando a comilança com duas generosas taças de vinho tinto. Afinal, o que regala a boca mal não faz, embora, antes de pegar no sono, tenha escutado uma algazarra esquisita no meu estômago.....maldita gula!!
4 comentários:
Que sortuda, até geada!
E que lugar fantástico...
Vc sabe que eu adoro olhar para o céu límpido a noite e observar o caminho da nossa Via Láctea, é uma visão incrível mesmo...
Até!
Parabéns!!! Incentivando a ilegalidade!!! Violando leis e regras! Me admiro pessoas com este tipo de carater! Grandes canyonistas (canyonistas de verdade) que foram os conquistadores desses canyons abdicaram de realizar travessias dentro do Parque Nacional da Serra Geral e do Parque Nacional Aparados da Serra em virtude de ambos os parques estarem fechados para atividades de canyonismo. Enquanto isso aproveitadores continuam invadindo as escondidas os limites dos parques para praticar atividades e denegrir a imagem dos verdadeiros canyonistas.
Novamente dou meus PARABÉNS para quem incentiva esse tipo de "guia" que leva clientes passando por cima das leis, por isso estamos no mundo que estamos, só pensam em si, resto não interessa. Mais uma vez PARABÉNS KALOKA E BEA!! Ratos!!!
Victor Trevizan, fazemos isto p/ carinhas igual a voce ficarem olhando e se roendo de inveja, enquanto estão sentados a frente da televisão olhando o faustão e comendo até virar uma rolha de poço!!!
O dia q eu te encontrar tu vai ver quem é RATO...
Filipe Roldão da Rosa
Mundo de Kaigang
É O DIOU sempre descubrindo novas, e tem muitas ainda esperando um dos Bons que se habilite, mas tem que ser pelo duro, se não vai. P arabéns pela empreitada Bia e Kaloca!
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