segunda-feira, 29 de junho de 2009

Macashca

Faço meu desjejum na Pastelaria D’Karla antes de iniciar outro pequeno trek pela Cordilheira Blanca. Começamos o passeio em frente ao cemitério onde desembarcamos dum táxi, eu, Arantza, basca, 35 anos, que faz parte do grupo de trek que percorrerá a Cordilheira Huayhuash, e Richard, nosso guia, com 18 aninhos, estudante de turismo. O céu, de brigadeiro! Uma beleza o tempo aqui em Huaraz, nada a reclamar, quente durante o dia, sem vento, esfriando à noite ma non troppo. A trilha é fácil sem grandes subidas e, durante o trajeto, alguns nevados chamam atenção, destacando-se o de Cojup e a linda quebrada de Churup, sempre sobressaindo, é claro, o onipresente Huascaran. A paisagem é muito mais linda do que a de ontem, não resta dúvida. E depois de duas horas de caminhada, sentamos na relva e fazemos um lanche. Richardi oferece-nos um cereal, o kiwicha. A aparência é de isopor mas o gosto é muiiiitooo bom. Lembra pipoca doce. Arantza revela-se muito boa companhia, esperta e engraçada demais. Está esperando seu novio, Juan, que chegará hoje à noite. Espalhadas pelos campos, diminutas choças, feitas de ichu (espécie de capim), assemelham-se, por seu formato cônico, aos chapéus usados pelos chineses. Servem de abrigo aos pastores em suas lides com os rebanhos de ovelhas. Um pouco antes de chegarmos a Macashca, ponto final de nossa caminhada, passamos por um rio onde uma mulher lava roupas num córrego. Disfarçadamente, filmo-a. Tem de ser na camufla porque raramente as mulheres indígenas permitem. Há pouco uma velha me jogou água, repelindo minhas investidas em tentar fotografá-la. Interessante isso, no Paquistão, as mulheres também se recusam a ser fotografadas! Enquanto naquele país asiático, os motivos são o machismo religioso que reprime qualquer vaidade feminina, aqui, é a mulher a responsável pela recusa, numa clara demonstração de preservação de sua privacidade. Já os homens e crianças em ambos os países posam bem pimpões quando instados a tal! Na vila de Macashca, não há muito o que ver. Embora pequeno, o pueblito exibe sua pracinha onde no entorno há uma igrejinha branca com dois campanários e casitas simples de adobe com singelos balcões de madeira. E nem precisa de mais adorno porque embeleza o lugarejo o lindo nevado Huamashraju, dominando a paisagem. Que cenário invejável têm seus moradores! Sentados no chão, esperamos a van que nos levará de volta a Huaraz. Embarcamos no veículo onde se amontoam pessoas e fardos de legumes, verduras e alfafa. Enquanto dura a curta e sacolejante viagem até Huaraz, dois pequenos sentados ao meu lado, olham, curiosos, pra mim. Quando eu os miro, eles viram os rostinhos - bem sujos, aliás -, encabulados. Mas logo voltam a me encarar. Ficamos nesse joguinho até descerem do carro. Arantza e eu, super enturmadas, decidimos almoçar no restaurante Huaraz Querido, localizado no Parque Internacional de la Amistad, a duas quadras da Plaza de Armas. O lugar é “abastado” se comparado à modéstia do resto da cidade. Casas com fachadas rebocadas e pintadas, revelam certo apuro arquitetônico. Um supermercado, bem maneiro, em frente à praça, exibe um sortimento de variadas mercadorias. O restaurante, especializado em ceviche, está vazio. Também pudera, são 5 da tarde. A simpática garçonete serve, como aperitivo, leche de tigre. Esta bebida é feita com “sustância de pescado” (caldo preparado com cabeça e esqueleto de peixe), temperado com limão, aji, salsa, coentro, sal e uma pinga de leite. Pedimos, de entrada, um ceviche de peixe e mariscos, acompanhado por yuca (aipim) e camote (batata de cor alaranjada), esta última sempre presente nesse tipo de prato por fazer um contraponto doce ao sabor mais ácido da marinada. E, pra derrubar em definitivo nossa fome, comemos ainda um picante de calamares. Nem deu pro postre, de tanto que nos empanturramos, eu e Arantza. Como estou a fim de comprar umas roupitchas, rumamos, Arantza e eu até a Tatoo, loja especializada em roupas de montanhismo. Qual não é minha surpresa quando um cara, que está escolhendo umas meias, fala em português comigo. Foi aquela alegria ruidosa, bem à brasileira. Apresentamo-nos e descubro que ele, jovem muito simpático, é David Marski, a quem eu conhecia de nome do site Alta Montanha. Banco a tiete e arrasto o escalador paulista pra tirar fotos na pracinha em frente à loja. Veio a Huaraz, explica, liderando uma expedição em que participam mais três rapazes, que só riem e nada falam. Vão tentar escalar vários cerros da Cordilheira Blanca, entre os quais o Huascaran. Despedimo-nos e eu parto contente da vida. Tão bom encontrar gente da minha terra e poder descansar a língua falando o português. E viva o Brasil!

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