Acordo às 7, e o simpático casal - ela italiana, ele polonês - ainda dorme. Como o refeitório só abre às 7:30 pro desjejum, aproveito e faço meus alongamentos. Estou com as coxas e panturrilhas doloridas da subida de ontem. O dia está estupendo, quase sem nuvens, livre de vento. A temperatura deve estar em torno duns 14º C. Enquanto não partimos, aproveito pra tirar algumas fotos. A visão que se descortina do refúgio é estupenda: ao longe as Torres Central e Norte, ladeadas pelo Nido del Condor. Mais a frente, o imponente cerro Almirante Nieto com seus glaciares. Hoje, a caminhada far-se-á até o camping Serón. A paisagem é pontuada em sua maioria por matorrales pré-andinos. O terreno apresenta-se coberto de margaridas e dentes de leão. Próximas aos pouquíssimos bosques magalhânicos existentes nessa etapa da jornada, arbustos de notros dão um toque vermelho à paisagem. Avistam-se, durante uma boa parte do trajeto, o cerro Almirante Nieto e as Torres Central e Norte. Bia lastima os resultados do efeito estufa ocorridos no cerro. Conta-me que, há dez anos atrás, a montanha se apresentava quase toda coberta de neve e gelo, o que atualmente não acontece, acumulando-se apenas em seu topo. Passamos por árvores queimadas por um incêndio que destruiu uma grande área do parque. Provavelmente gente irresponsável que fuma e joga o coto de cigarro ainda aceso no chão. Estávamos nós já botando as mochilas nas costas após a parada pro almoço, quando escutamos uma mulher nos chamar. Ela mal se sustenta nas pernas. Pra piorar, carrega uma mochila cujo peso deve beirar 20 kg. Acredita que está com infecção intestinal devido a água que bebeu no camping Serón. Lamentável seu estado. Enquanto espero Bia buscar água, converso com ela tentando animá-la. Fico sabendo que é italiana, se chama Rosa Maria, e trabalha como guia no Nepal, Tibete e Mongólia. Bia aciona pelo rádio o refúgio Torres pedindo ajuda. Ficamos com Rosa até vir um quadriciclo da Conaf resgatá-la. Retomamos nossa caminhada. Bia explica que esta área do parque, uma estância com 5.200 ha onde estão localizados os refúgios Los Cuernos, Las Torres, camping Serón e refúgio Dickson, é particular. O restante é público. A Conaf, acrescenta ela, vem a ser uma empresa de economia mista, responsável pela administração e manutenção do parque, assim todos os resgates são sua atribuição. Digno de louvor a presteza com que essa empresa socorre os turistas. Oxalá fosse assim no Brasil! O percurso de apenas 9 km é moleza. Pouca subida e descida, praticamente plano. A uma certa altura, avisto a laguna Azul que, de um certo ângulo lembra um púbis azulado, acomodado entre colinas. Um autêntico monte de Vênus....brincadeirinha, hehe!! Mais adiante já se enxerga o rio Paine e durante uma parte do caminho vamos bordejando-o. Nuvens cirros mancham o céu com suas formas alongadas. Bia alerta-me que é sinal de chuva. Chegamos às 17 horas no camping Serón onde há uma pequena casa de madeira onde vivem os funcionários da empresa que explora a estância. A janta será feita por eles. Bia indica-me onde está minha barraca e como costumo alongar assim que chego, vou até lá dar início aos meus exercícios diários. Contudo a quantidade de mosquitos, bem miudinhos, é infernal. Até dentro da barraca, os bichos conseguiram entrar. Consigo, após desferir enérgicos tapas nos malditos insetos, terminar meus alongamentos. Impossível ficar na rua. Dirijo-me pois pra tal casa. Composta por uma peça grande que serve de refeitório e cozinha, há, ainda, dois dormitórios pros empregados e um banheiro coletivo. Lá dentro está quentinho e, graças a deus, livre daquela praga dos mosquitos. Alguns turistas, num esquema mais econômico de viagem, preparam seus ranguinhos. Fico batendo papo com um extrovertido casal de chilenos, formado em Música. Eles já estão terminando o grande circuito pois fizeram o percurso no sentido contrário ao nosso. Portanto, já cruzaram o Paso John Garner, considerado o crux do trek. Demonstro curiosidade em saber como foi. Camile conta-me que sentiu medo apenas numa quebrada, antes do Paso, onde uma escada bamboleava devido ao forte vento que soprava. Pergunto, então, pra Bia que conte resumidamente detalhes dos trajetos a enfrentar. “Cada dia es un dia, mañana haré um briefing, ok?”, responde ela secamente. Meu deus, o que é isso? Esta guia está me tratando como se eu fosse uma criancinha, não estou gostando nadica de nada de tal atitude, resmungo ofendida pros meus botões. Camile aproveita a saída de Bia e mostra sua indignação. “Como usted soporta esa mujer?" pergunta a jovem. Desvio o rumo da conversa pra outro assunto, afinal roupa suja se lava em casa. Fico conversando até as 22:00. Chove quando saio do refeitório e vou pra barraca dormir. Às 3 da manhã, ao acordar pra fazer xixi, continua chovendo....droga!!
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