Chove ainda quando acordo às 6:45. Nem com isso, os mosquitos se mandaram. Continuam a incomodar barbaridade. Um afronte essa mosquitama, nem mais repelente respeitam! A barraca, fria e úmida, não é um lugar dos mais convidativos. Assim, vou pro refeitório ver se o desjejum já está pronto. Lá, fico conversando com o casal de chilenos até a hora da partida. Agora, 8 e 30, graças ao bom São Pedro, o sol já está a mil e o céu, bem desanuviado, exibe uma tonalidade azul forte. Já que tem de chover menos mal que seja à noite! Estamos indo pro refúgio Dickson, um percurso de 18,5 Km. No início, a trilha plana não exige grandes esforços de minha parte. Me distraio observando o reflexo dos raios de sol incidindo nas águas escuras duma laguna. Logo, logo, contudo, a moleza acaba porque um aclive acentuado exige concentração especial. O vento zune energicamente. Do alto do morro, avisto o rio Paine e a pequena laguna cuja margem ainda há pouco eu percorrera. Seu formato, impossível de ser apreciado quando se está no mesmo nível dela, é muito interessante: lembra um coração. Coração aquático, tá ligado? Eu, toda feliz porque a subida terminara e agora é só descida, sou surpreendida com rajadas fortíssimas de vento. Acontece que estamos numa zona de matorrales, muito exposta, sem proteção alguma de bosques. Na opinião de Bia, a ventania sopra a 80 km/h. Olha, não entendo muito de vento, mas tenho cá com meus botões que a guia exagera, talvez sejam só 60 km/h. Firmo bem os bastões na terra. Se não fossem eles, a ventania com certeza teria me lançado ao chão. A técnica pra enfrentar tais rajadas é manter as pernas afastadas; caso engrossem, o jeito é andar quase agachada. De onde estou, avisto o lago Paine e, lá no fundo, à esquerda, bem ao longe, o glaciar Los Perros. À medida que avanço, sou presenteada com a visão do Glaciar Dickson e dos cerros Trono Blanco e Amistad com glaciares pendurados em suas encostas. Uma pena não poder avistar as Torres, devido à espessa névoa que as esconde. O clima é imprevisível nesta região. Pode amanhecer lindo como foram a manhã e parte da tarde, e de repente, vapt vupt, tudo muda, como um passe de mágica. Eita tempinho emburrado este da Patagônia! Predominam, nos matorrales pré-andinos, as chauras, calafates e matabarroza, vegetação encontrada apenas na região patagônica. Sucedem-se-lhes pequenos bosques magalhânicos onde abundam as lenguas e ñires, vistosas árvores cujas folhas são miúdas e bem verdes. Por fim, atravessamos o pampa, uma larga extensão de campo plano, coberto de gramíneas, dentes de leão e margaridas. Isso tudo cercado de montanhas, várias delas embranquecidas em seus cumes por glaciares. Perto do refúgio Dickson, muitos arbustos floridos de notros. Atravessamos um pequeno bosque magalhânico cujo terreno se apresenta bem embarrado, o que torna lenta a caminhada. Quando estou começando a cansar, eis o lago Dickson e o refúgio. Dá pra ver nitidamente o rabicho estreito do rio Paine saindo do lago onde tem seu nascedouro. Este rio quase circunda o parque. Num sistema de canais, alimenta os lagos Paine, Nordenskjold, Scottsberg e Pehoe, desaguando, por fim, já fora dos limites do parque, no lago Toro. O refúgio Dickson surpreende pela limpeza e capricho. Não que os outros não o sejam mas aqui, sei lá, tudo parece mais acolhedor. Os quartos no piso superior só tem uma hóspede: euzinha!! Ulálálá!! O resto dos viajantes aloja-se na área de camping, dormindo em barracas. Entre eles, um grupo de jovens chilenos, liderados por um padre espanhol, pertencente à Ordem Legionários de Cristo. Eu já os havia encontrado no camping Serón, e, como nós, também eles fazem o mesmo circuito. Enquanto espero a janta, rola um som de Amy Winehouse, Back to Black, que eu amo de paixão. Uma salamandra de ferro, num canto da sala, irradia um calor gostoso, tornando o recinto mais aconchegante ainda. Lá fora, a chuva começa a cair. E eu aqui bem abrigadinha. Bota gostosura neste ambiente! Durante a refeição, entabulo uma conversa básica em inglês com um simpático casal de americanos, o Jean Pierre e a Ria, que vieram apenas jantar no refúgio. Após a refeição, retornam pra barraca enfrentando o frio e a chuva...tadinhos! Dois dos jovens chilenos do tal grupo católico entram e conversam com Bia. A moça está com um problema no joelho. Bia, que se considera paramédica, porque pertence a uma família de médicos ("mi padre, mi abuelo, todos eran..."), examina a perna da guria. Sem hesitar, diagnostica sei lá o quê. Fico tão atônita com sua inabalável certeza que nem presto atenção ao que diz. Os leoninos são espantosos: sabem de tudo, têm sempre a última palavra, sua autoconfiança é do tamanho de seus egos: grandiosa! Minha guia é um autêntico exemplar de tal signo. Dona demais, pro meu gosto, de verdades absolutas. Fico ali curtindo o papo deles até que retornem pras suas barracas. Cansada, subo e me deito, bem aquecida, na cama confortável. Adormeço, escutando um conversê masculino animado no andar debaixo. Lugarzinho maneiro este!
Um comentário:
http://roneymonte.cjb.net
Roney, da Travessia PETRO-TERE!
Beijos
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