segunda-feira, 2 de agosto de 2021

Aurora

Saindo de Natividade, eu resolvo passar por Aurora já que bem pouco se afasta do trajeto de meu retorno ao Sul (em 2021 eu ainda não morava em Palmas). Já sabia da existência dos diversos atrativos naturais de Aurora, sendo o mais famoso os 143 metros de extensão do Rio Azul, o 3º menor rio do planeta, segundo o Google. Então, no 1º dia na cidade, vou sozinha conhecer o rio, sem guia porque o passeio dispensa condutor. Cheia de expectativas porque vira fotos lindíssimas de suas águas cristalinamente azuladas, tomo um susto: dia 2 de agosto é feriado (dia do Evangélico) em Luiz Eduardo Magalhães (BA), daí que os baianos se mandaram pro balneário. O resultado? Lotadaço, som de batidão sertanejo e de piseiro no mais alto volume, uma tortura. Afora isso, restaurantes quase à beira d’água e feias construções a 100 metros do diminuto do rio. Entro vapt vupt no rio e trato de me mandar rapidinho do lugar sem deixar saudades. Pra não dizer que só botei defeito no atrativo, a bela coloração do rio Azul continua a mesma das fotos, só que turvada por um mundaréu de gente. À semelhança de São Domingos e Guarani, em Goiás (Parque Estadual de Terra Ronca), a região das Serras Gerais neste cantão do Tocantins apresenta também um complexo de mais de 200 cavernas além de vestígios de fósseis da idade do Gelo e pinturas rupestres, sem, contudo, muita divulgação sobre o assunto. Pra ser precisa, apenas o rio Azul e a cidade dos Tótens ficam em Aurora; o restante das atrações localiza-se em Lavandeira, município colado em Aurora. Pra compensar a fracassada experiência no rio Azul, sou premiada enquanto dirijo até a pousada com a visão da paisagem a minha frente: a monumentalidade das Serras Gerais, a coloração avermelhada de seus paredões de rocha sedimentar e seus morros testemunhos me deixam deslumbrada, sem exagero. Esse conjunto de serranias passa pelo Maranhão, Piauí, Tocantins, Bahia, Goiás e MG. Considerando a formação sedimentar das rochas e a constante erosão por elas sofridas, há formação de dunas nas encostas das Serras Gerais. Pois é: não é só o Jalapão a exibir dunas! Ao redor de Aurora há 4 espécies de araras: canindé, vermelha, azul e ararinha verde da cara branca afora a tiriba, um periquito de peito vermelho, que se encontra em extinção.
Bem baixada numa pousada perto da cidade, saio no dia seguinte com o guia que contratara para os restantes 3 dias de passeio. Fomos então, no 2º dia, conhecer as praias do Pequi e do Puçá, o poço Paraíso e a cachoeira do Sombra. Exceto a trilha até o poço Azul e a pernada à cidade dos Tótens, o restante dos passeios foi de poucas caminhadas, mais entrando e saindo do carro. Desnecessário veículo traçado, ao contrário do Jalapão, em quaisquer dos passeios. A caminho da praia do Pequizeiro, se cruza o rio Palma que, posteriormente, irá engrossar o volumoso Tocantins. A praia do Pequizeiro, quando eu fui em 2019, mantinha sua feição de praia intocável, como se fosse um paraíso a la Caribe, perdido no meio do cerrado. A água dum azul claro em contraste com a areia branca da prainha e o verde da mata ao redor é um deleite aos olhos. Fico sabendo pelo meu filho - há pouco ele esteve lá - que já foi construído um restaurante. Uma pena, nem precisaria, já que a praia do Puçá, a 2 minutos de distância, dispõe de toda uma infra com comida, quiosques e redes penduradas nas árvores à margem do córrego Ribeirão, o mesmo que passa pelo Pequizeiro. O que estragou um pouco o sossego do Puçá foi o som de música eletrônica rivalizando com o ruído bom das corredeiras do riozinho. Tomo uma caipirinha antes do almoço (peixe com arroz, feijão, mandioca e vinagrete), e após um descanso pra facilitar a digestão vamos até o Poço Paraíso. Pra mim, o menos impactante, se bem que a Curva do Desejo é bem lindinha. Claro está que eu poderia ter escolhido ficar em algum dos lugares, de boa, mas naquele momento estava super a fim de conhecer tudo o que eu pudesse, motivo por que seguimos até a Cachoeira do Sombra. Seguimos o curso do rio Sombra que cavou na rocha uma canaleta por onde a água escoa com força despencando alguns metros adiante na pequena cachoeira cujos degraus produz farta espuma branca que termina no poço mais abaixo. Um lugar bem agradável rodeado de vegetação. No fim de tarde que se avizinha, tomo mais um banho, deve ser o 4º ou 5º do dia. A temperatura é absolutamente morna, uma delícia. Recosto-me numa reentrância de rocha pra usufruir da massagem proporcionada pelo jorro de água que desce vigoroso do alto das pedras. Durante a volta pra pousada, meu guia esboça em linhas gerais o processo artesanal da elaboração do óleo de coco de babaçu: quebra-se a casca, pilando as sementes e fritando-as para obtenção do óleo. Parece simples mas é demorado porque são milhares de coquinhos para se extrair alguns litros de óleo. Haja paciência e braço!
E no 3º dia, graças a deus, aquela caminhadaça cuja ida e volta registrada no Strava somou pouco mais de 7 km. No início da pernada, dá pra perceber a formação semicircular da Serra Geral, destacando-se de seu extenso paredão uma arredondada formação rochosa que remete à proa dum gigantesco navio. Nas suas partes erodidas a rocha ora avermelhada ora preta cede vez a um tom esbranquiçado. Com o tempo, a ação erosiva da natureza transforma as encostas da serra em bancos de areia, já visíveis em certos trechos. No topo da serra, a planície baiana com suas plantações. Quando venta muito, palhas de milho são arrastadas até o solo tocantinense. Veredas de buritis, vistas aqui e acolá, anunciam terreno úmido, aglomerando-se, portanto, em seu entorno arbustos e árvores de pequeno porte. Afora isso, é campina, tipo savana, pontuada por vegetação rasteira e modestos renques de diminutas flores aflorando do solo. Durante a caminhada, o som das curicacas, das seriemas, das falantes araras, dos picapaus de cabeça amarela e dos periquitinhos é música ao vivo uhuu!! O poço Azul, banhado pelo córrego Ribeirão, é um encanto, sua água de um azul claríssimo chega a ser transparente perto da margem. Rodeado de farta vegetação, o poço assim fica resguardado dos rigores da canícula que beira uns 35ºC no meio da manhã. Me deixo levar pela correnteza flutuando algumas dezenas de metros leito abaixo. Refrescada pelo banho, enfrento alegremente o retorno até o ponto onde deixáramos o carro sob o calor intenso. Depois da revigorante caminhada, eu nem me importo de pegar o carro e dirigir até a fazenda Bartolomeu, cujo dono, Seu Joelino, nos espera com delicioso almoço caseiro feito pela filha. A refeição é entremeada de conversê sobre política e boas risadas. De pancinha cheia, vou até a margem do rio Bartolomeu – pertinho da sede da fazenda – conhecer as corredeiras. Ao longo de seu curso forma pequenas quedas d'água, recebendo a maior o nome, por óbvio, de cachoeira do Bartolomeu. E o último passeio do dia é visitar o Mirante das Andorinhas donde se vê a sudoeste GO, a leste BA e lá embaixo a cachu das Andorinhas formada pelo rio Bacupari. Descemos até a cachoeira (foi a mais sem graça de todas) e o que valeu a pena foi saber que o nome Andorinhas se deve ao fato destas aves se abrigarem entre a água e a pedra, mal se distinguindo suas cabecinhas contra a rocha escura. Perfeito esconderijo contra seus predadores naturais, as cobras.
No último e 4º dia em Aurora, pernada à cidade dos Tótens, ou seja, a uma das várias dunas que se localizam nas encostas da Serra Geral. Inicialmente, andamos numa mata bem densa e cruzamos com uma das nascentes do rio Tubatinga. Ao sair do bosque entramos numa zona de brejo, ou seja, de vereda de buritis e buritiramas. À medida que nos aproximamos da encosta da serra, surge no meio da vegetação um surpreendente oásis.....de areia! Rodeada por vegetação, no meio da praia de areia amarelinha, um renque de palmeiras balouça ao forte vento que sopra desde a madrugada. Na subida às dunas, noutra mata igualmente fechada, se escuta a gritaria das araras vermelhas. Dá pra perceber claramente a coexistência de 2 biomas: cerrado e caatinga, daí a existência de bromélias e canelas de ema neste trecho da trilha. A visão da serra Geral, com picos ora arredondados ora pontiagudos mais sua feição de muralha inexpugnável, é impressionante. As rochas inicialmente escuras foram se tornando claras devido ao processo erosivo. Não canso de me embasbacar com tanta beleza. Ao atingir as dunas, com o sol batendo em cheio no arenal amarelo os olhos doem com tanto fulgor. Que mundão de meu deus é esse?!! Tô até emocionada tamanha a grandeza do lugar!! Meu guia me chama pra entrarmos numa canaleta cujo chão está coberto por espessa camada de fina e clara areia. O estreito brete, ladeado por pedras escuras e arbustos, termina 50 metros adiante num despenhadeiro. Da beirada dá pra ver, no fundão do vale, a forma diferenciada do morro São João e de outras tantas colinas e chapadas que compõem o mosaico rochoso espetacular da Serra Geral. Enxergo ainda, pequeninha, lá embaixo, a prainha de areia que se destaca no meio do verde da vegetação. Retornamos à arena das dunas e seguimos até a cidade dos Toténs, outro fantástico trabalho de erosão, cujas delicadas formas resultantes lembram cogumelos. Não poderia ter fechado minhas andanças por Aurora com melhor desfecho que conhecer este trabalho de erosão que, podicre, considero do bem!

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