domingo, 1 de agosto de 2021

Natividade

Há várias caminhos pra se chegar, como diz o ditado, em Roma, assim como em Natividade, a cidade mais antiga do Tocantins que me despertou atenção quando fui me informar mais sobre o Tocantins, porque como talvez você não saiba, o estado não se resume apenas ao Jalapão. Um desses, se você estiver em Palmas, é pegar a BR 010 direto e reto até lá. São apenas 235 km e dá pra fazer um bate e volta, o que não aconselho porque há muita coisa interessante pra ver na cidadezinha, o que em um dia só fica meio atabalhoado. Como eu estava em Almas, saindo do Vale dos Pássaros, peguei a TO 280 e pouca demora já estava em Natividade. Fundada em 1734, a cidade teve seu apogeu durante o ciclo do ouro, quando os bandeirantes adentraram o interior do país em busca de metais preciosos, descobrindo-se na região o ouro de aluvião. Com isso, cerca de 40 mil escravos foram enviados pra lá e ficaram encarregados de edificar o pequeno arraial. Tombada como conjunto arquitetônico, urbanístico e paisagístico pelo IPHAN em 1987, a cidade tem um encantador centrinho histórico com igrejas e casarios de arquitetura colonial caprichosamente preservado. Com grande importância histórica e cultural, Natividade mantém ainda tradições da época dos portugueses e povos quilombolas, dentre eles a Folia de Reis que acontece entre 24 de dezembro e 6 de janeiro quando grupos saem pelas ruas da cidade visitando casas e entoando cantos bíblicos em homenagem aos reis magos. Com a exaustão da exploração aurífera, a grana foi escasseando motivo por que a construção da Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos foi interrompida. Mesmo inacabada, exibindo somente seu arcabouço, a igreja se transformou em um dos maiores símbolos da cidade, por sua referência à comunidade negra que se instalou, ou melhor, foi instalada na cidade. Outra igreja também datada do século XVIII, é a singela matriz dedicada à Nossa Senhora da Natividade, padroeira da cidade.


Após dar uma rezadinha e fazer os tradicionais 3 pedidos (praxe quando se entra numa igreja pela primeira vez), vá até o casarão branco com aberturas vermelhas na frente do largo, provar o famoso biscoito Amor Perfeito (mistura de polvilho, leite de coco e açúcar) assado em forno a lenha. O difícil é parar de comê-lo tão mas tão gostoso é! Você pode encontrar tia Naninha, a criadora da iguaria, sentada numa cadeira à porta de seu estabelecimento e bater um papinho com ela. Eu dei a maior sorte pois foi ela quem entabulou conversa comigo, falando de seus 12 filhos...encantadora a velha senhora! Na praça da Bandeira, antigo largo do Pelourinho, onde negros eram comercializados no período colonial, o sítio hoje tem outra feição com restaurantes, sorveterias e açaiterias dispostos ao seu redor. E o melhor de tudo: tanto cedinho de manhã quanto à tardinha recebe a visita barulhenta das araras canindés. Baita trilha sonora enquanto provo um delicioso sorvete de mangaba. Graças às minas de ouro que funcionam até os dias de hoje (embora modesta a produção), a confecção de joias se tornou uma das principais atividades de Natividade, destacando-se a Ourivesaria de Mestre Juvenal. Ainda que você não seja consumista, vale a pena dar uma passada lá e apreciar o elaborado trabalho em filigrana com que são feitas as joias. Vagueando pelas ruas ainda calçadas com pedras antigas, mangueiras, oitis, palmeiras e outras árvores do cerrado de copas frondosas proporcionam farta sombra pra quem como eu gosta de caminhar mesmo na hora do sol a pino. Arbustos floridos dão um toque colorido nas calçadas e floreiras diante das janelas enfeitam os peitoris das casas. Um menino puxa seu burrico por uma corda, enquanto o motoqueiro passa com sua moto, convivendo em harmonia o antigo e o novo. Por quê, não? Um não necessita excluir o outro. Os sinos das igrejas católicas bimbalham ao final do dia anunciando a hora do angelus; senhoras de cabelo lavado e vestidos bem passados se dirigem aos templos. Esta é Natividade, colorida e pacata cidadezinha tocantinense rodeada pela serra geral: uma festa para os olhos de quem curte boas tradições, boa culinária e casarios antigos preservados.

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