O deserto do Saara, um dos cartões postais do continente africano, ocupa perto de 8 milhões e 600 mil km². Cerca dum quinto é areia, o restante inclui vastas extensões planas de rocha, cascalho e algumas montanhas como a cordilheira de Hoggar, na Argélia. As culturas de vegetais e legumes se dão em 90 grandes oásis. Porém somente uma pequena parte do Sahara está no Marrocos, a maioria na fronteira com Argélia. Assim, no dia 27, vamos eu e Raul dar um bandaço naquela região, contratando para tal uma agência de turismo perto de nosso riad. O falante dono, machista como a maioria dos homens, quando lá vou sozinha me trata meio desdenhosamente, mudando o tom quando levo Raul. Ah, esses macho...cados!! A viagem de ida - 560 km - é dividida em 2 etapas: pernoite no primeiro dia na vila Ait Sedratejbel El Soufla, seguindo viagem no segundo dia até as dunas, ponto final da trip, quase na divisa com Argélia. Atravessamos diversas cidades de médio e pequeno porte, limpas e com boas construções. Marrocos, aparentemente, não é um país pobre, não!! Bueno, nosso grupo com gente de vários países é bem legal. No 1º dia, trafegamos inicialmente pela excelente Rota Nacional 9 (aliás todas estradas pelas quais circulamos foram boas) donde se vêem as montanhas do Atlas, algumas com as encostas nevadas, outras verdinhas de vegetação. Estamos atravessando um dos 12 estados marroquinos: Draa Tafilalet. Sua principal atividade econômica baseia-se na agricultura e na pecuária que, contudo, vem sendo impactada pela crescente desertificação da região. À medida que entramos em território bérbere, as casas se confundem com a paisagem ora de coloração ocre ora parda. Os bérberes chamam a si próprios Imazighen, que significa "homens livres" ou "homens nobres". Esta interessante junção de várias etnias, exclusivamente africanas, espalha-se pelas montanhas e desertos do noroeste da África donde é originária. Sua presença na região remonta há 5 mil anos. A população atual está em torno de 15 milhões de pessoas. Diz-se que 70% dos marroquinos descende deste povo. Nosso anfitrião, por exemplo, é bérbere pelo lado materno, ao passo que árabe pela linhagem paterna. Os tuaregues, o mais conhecido dos 3 principais grupos bérberes, são pastores nômades que ainda vagueiam pelo deserto do norte de África. Na sua maioria, são muçulmanos, mas conservam suas línguas e dialetos próprios que mudam conforme a região. Nossa primeira parada é Ait Ben Haddou, considerada Patrimônio da Humanidade, tornada famosa devido a dezenas de filmagens, destacando-se a série Indiana Jones e Game of Thrones. Constituída por um grupo de pequenas fortalezas (kasbahs ou alcáceres), com dez metros de altura cada uma, o primeiro alcácer foi fundado em 757 e começou como a residência duma única família. Em alguns alcáceres, há 4 torres destinadas cada uma a servir de habitação às 4 mulheres permitidas pelo Alcorão aos homens de posses. Simmm, tinha de ter grana pra ter mais duma esposa. Ao homem pobre só era permitido uma mulher. Oito famílias ainda vivem nos alcáceres; o restante dos habitantes mora agora numa aldeia mais moderna, no outro lado do rio Ounilla cuja água é inacreditavelmente salgada já que o oceano está a centenas de kms!! Subi até o alto duma colina donde se tem uma visão do altiplano marroquino com uma fileira de montanhas do Atlas pontuando a paisagem. Aqui a paisagem se torna cada vez mais árida prenunciando a área desértica que está por vir. E a viagem continua até Ouarzazate, cidade de médio porte, limpa e com boas construções, chamada "porta do deserto", já que se situa numa zona de transição entre as montanhas do Atlas e o deserto do Saara. A região em volta é um dos locais de Marrocos mais usados como cenário por realizadores de cinema de todo o mundo. Nos anos 1960, começou a ser um lugar de rodagem de filmes históricos, entre os quais o célebre Lawrence da Arábia. A cidade é sede dos estúdios Atlas Corporation e tem um museu do cinema onde são expostas peças dos cenários e vestuário usados em alguns filmes rodados na região. Após a breve parada em Ouarzazate, seguimos até a velha Kasbah de Todgha, situada no vale do rio Dades. Aqui, somos guiados por um guia, parecido com Al Pacino, metido a engraçadinho, que nos leva a visitar uma cooperativa de tecelãs bérberes. Fabricantes artesanais de tapetes, as mulheres trabalham apenas 3 horas, demorando de 5 a 6 meses pra finalizar 1 peça. Usam pelagens de camelo baby e adulto, bem como de ovelha. O do camelo baby parece veludo de tão macio. As técnicas de tecelagem são passadas de geração a geração. Vejo ao longo da rodovia placas de cooperativas femininas agrícolas e de artesanatos. Bom saber que as mulheres aqui também sabem se organizar. Seguimos então até a espetacular parte final do canyon Todgha, resultado do trabalho de erosão do rio Dades. Aqui a garganta se estreita de tal modo que em certo trecho tem apenas 10 metros de largura. Somente na estação da seca é possível atravessá-lo porque na época das chuvas a forte correnteza do rio impede sua visitação. Enfim, chegamos na vila Hassi la Bied, uma das portas de entrada às excursões no deserto Merzouga. Aqui deixamos a van e embarcamos numa 4x4 até nosso acampamento, um dos muitos situados entre dunas cuja coloração é avermelhada. Entretanto, não chegamos a passear em Erg Chebbi, o maior conjunto de dunas de Marrocos porque a agência, manipulando nossa ignorância, nos iludiu ao dar a entender que iríamos adentrar Sahara adentro. Assim, o que vimos foram dunas um pouco maiores que as das praia do Cassino e não aquela monumentalidade a que assistimos nos filmes e fotos. Raul e eu ficamos muito aborrecidos por termos sido enganados pelo esperto marroquino, dono da agência. Enfim, não foi de todo mal, afinal não é qualquer um que pode dar um rolê no lombo de camelos à tardinha no sol poente. À noite, show de música bérbere com homens tocando seus instrumentos tradicionais e cantando canções típicas ao pé duma fogueira pois a noite está muiito fria. Dia seguinte, acordamos cedo e após o desjejum, vamos dar outro rolê nos camelos. Faz um frio terrível, em torno de 4ºC!!, minhas mãos congelam porque estou sem luvas. Depois duma ½ hora, os guias param num lugar situado a 2 km do acampamento e fazem uma fogueira pra nos esquentar. Dali embarcamos no 4x4 e voltamos até a vila Hassi la Bied onde embarcamos na nossa van retornando a Marrakech. Embora tenha sido uma trip convencional, daquelas que a bunda achata de tanto ficar sentada dentro dum carro e parando 1 hora se tanto nos lugares, Raul e eu concordamos que valeu não só pelas lindas paisagens e vilas milenares visitadas, como ainda por termos conhecido um pouquinho deste tão interessante povo bérbere!!
Nenhum comentário:
Postar um comentário