O
Abraçasso começou pelo centro-oeste porque queria visitar alguns amigos e
parentes que moram nesta parte do Brasil, penetrando, a seguir, o canto
inferior da região norte, já que sonhava com o Jalapão. Na continuidade da
trip, entro no nordeste, percorrendo durante 1 mês, encantada da vida, Maranhão
e Piauí. Permaneço larga temporada em Fortaleza, daqui regressando ao sul pelo
litoral, motivo por que escolho a BR 101, paralela ao Atlântico, salvo pequenas
escapadas em outras rodovias, como o trecho de 850 km na BR 116. Dispondo de 15
dias pra chegar a Porto Alegre, escolho algumas cidades do litoral brasileiro,
desconhecidas por mim e Osnilde, salvo Natal onde já estivera há anos atrás.
Escolho na capital potiguar uma pousada na Ponta Negra, cujo quarto apesar de
ser estilosinho, exala insuportável cheiro de cachorro molhado. Contratamos um
tour ao litoral sul do estado que inclui visita à Base de Lançamento de
Foguetes da América Latina, a chamada Barreira do Inferno, localizada no
município de Parnamirim. De lá, vamos dar um rolê nos 8.500 m² ocupados pelo
maior cajueiro do planeta, cujo gigantismo se deve a uma anomalia genética, em
Pirangi do Norte. A seguir, breve paradinha num mirante donde se vêem as avermelhadas
falésias na praia do Cotovelo. Almoçamos na praia de Camurupim onde se avistam
recifes de coral a menos de 50 metros da faixa de areia. Terminada a refeição,
embarcamos no busão e vamos fazer a digestão à beira da lagoa de Arituba. O
passeio é super padrão, com guia comentando sobre os lugares frequentados,
estabelecendo tantos minutos ou horas pra se curtir os lugares. Mais se sobe e
desce do bus que outra coisa. Canso só de pensar. Os companheiros de tour nada
a ver comigo. Osnilde, uma santinha, só ri quando, ranzinza que sou, reclamo do
povo. Na quarta-feira, com a concordância de Osnilde, saltamos Paraíba e de
João Pessoa vemos apenas sua linha de arranha-céus da BR 101. O mesmo se passa
com Recife: vejo de relance seus altos edifícios, aliás uma marca que caracteriza a maioria das capitais nordestinas. Mas o que me impressiona é a periferia pobre da enorme cidade cujas construções se dependuram sobre barrancos encobertos por lonas pretas pra evitar que desmoronem quando chegue a época das chuvas. Como o objetivo é evitar praias badaladas, escolho a dos Carneiros, super tranquila nesta época do ano, pra descansarmos 1 dia. Como chegamos cedo, conseguimos desfrutar do calmo balneário e
dar uma banda à beira mar. Ao longo da praia, uma extensa linha de recifes,
algumas com vegetação nascendo sobre os corais. Dia seguinte, passeio num
catamarã ao longo do rio Formoso. Um vistaço no manguezal e na
linda igrejinha de São Benedito, construída a 30 metros d’água. O visual é
lindo: coqueirais em ambas as margens do rio de águas verdes, céu azul e
temperatura caliente temperada por suave brisa. Durante a navegação, surge um
magrinho fantasiado de Michael Jackson que se põe a imitar os passos de street
dance do icônico pop star americano. Terminada a patética apresentação, o
artista passa o chapéu entre a turistada. Paradinha ao lado duma barreira de
recifes onde vendedores de comida se aproximam pra vender petiscos e batidinhas
em suas canoas. A última etapa do passeio é navegar até a outra margem do rio onde
há uma lama dita medicinal. Mal se desce do barco, vêm uma penca de mulheres
vendendo sabonetes feitos de lama enquanto outras se oferecem pra passar a tal
lama no teu corpo. Eu e Osnilde nos entreolhamos, agradecemos e rapidinho
escapulimos dali. Preferimos caminhar ao longo da praia durante os 20 minutos
em que ali é autorizado permanecer. À noite, jantamos no Tapera do Sabor, em
Tamandaré. Escolho filé de peixe grelhado servido ao creme de maracujá e
guarnecido com batata sauté e arroz de alho....uma delícia! Sexta, damos tchau
pra Pernambuco e, pouca demora, já estamos em Alagoas onde almoçamos em
Paripueira, tranquilo balneário já próximo de Maceió. Passamos batidas pela
capital alagoana, porque fôramos convidadas pra ficar na casa de Marilene,
amiga de Osnilde, na pacata Marechal Deodoro. A poucas quadras da residência,
se encontra a praia do Francês em cujo canto norte rolam os agitos com
restaurantes à beira mar, cadeiras e guarda-sóis de aluguel. Caso se queira
sossego, a pedida é o canto sul da praia. A caminho de Aracaju, entramos em
Penedo, situada na margem esquerda do rio São Francisco, pertíssimo de sua foz.
Fundada no século XVI, foi a primeira povoação de Alagoas. Seu bem conservado
centro histórico exibe tesouros como o Paço Imperial, a belíssima igreja em
estilo barroco Nossa Senhora da Corrente, datada de 1765, e a Pousada Colonial,
prédios construídos ao redor da Praça 12 de Abril, a poucas dezenas de metros
do rio. Subindo as ladeiras, encontramos o Convento e Igreja Santa Maria dos
Anjos, a Igreja São Gonçalo Garcia dos Homens Pardos e o Teatro 7 de Setembro.
Almoçamos uma saborosa moqueca no Oratório, restaurante debruçado sobre o
Velho Chico, como é carinhosamente chamado o São Francisco pela população
ribeirinha. Lástima não provar as cachacinhas da casa mas quem dirige tem o
ônus de se manter abstêmica. Saímos de Penedo, cruzando de balsa o rio até sua margem
oposta onde se encontra Neópolis, cidade já situada em Sergipe. Em
Aracaju onde chegamos à tardinha, escolho hotel na praia de Atalaia. Na bem
cuidada orla, com 5 km de extensão, foram construídos parques, lagos, pistas de
bici e corrida, praças de alimentação com excelente iluminação noturna que nos
fez sentir, eu e Osnilde, super seguras de lá caminhar. Ainda rodando em
Sergipe, somos paradas por 2 membros da Polícia Militar. Alegam 3
irregularidades. Concordo com tudo que dizem, inclusive com a que não procede,
a de que no interior de veículos de passeio não podem ser transportadas bicis -
hahahaha - mas do lado de fora, pode, né?! Claro que nem rio ou argumento com o
sisudo sargento ou tenente, sei lá sua patente, tão atarantada estou com o
atraque. Daí o sargento ou tenente empurra pro soldado a decisão (?!) que
devolve, constrangido, pro superior. Durante um par de minutos, ficam nesse pingue-pongue
- parece filme de suspense - decidindo por fim não aplicar a multa, com a
justificativa de que eu fora humilde ao me declarar culpada. A verdade Osnilde
descobre assim que deixamos o posto policial: eles queriam propina, os
safados!! Eu, inocente, nem percebi o golpe. Bueno, decido enfrentar os 1 mil
km do litoral da Bahia em 2 etapas. Rodando pela Linha Verde, um tapete de
rodovia, vou até Camaçari, onde nos perdemos num emaranhado de rodovias mal
sinalizadas até encontrar - ufa! - a BA 324, regressando enfim à BR 101. Após
rodarmos 500 km, chegamos a Santo Antonio de Jesus, nossa primeira parada em
terras baianas, pernoitando num hotel de beira de estrada bem legal. Dia
seguinte, enfrentamos trecho de relevo ondulado que, embora lindo, exige bastante
cuidado porque rasgado pela intensamente movimentada e curvilínea BR 101 ao
longo dos 550 km até Itamaraju. Nesta cidade, nos hospedamos em outro simpático
hotel de beira de estrada, donde do jardim se avista o Pico do Pescoço, um
desbundante monolito rochoso. No outro dia, na altura de Itabatã, ao fazermos
uma pausa pra esticar as pernas, encontramos, no restaurante dum posto de
gasolina, mesa posta com café, chá e petiscos, tudo grátis, em homenagem ao 25
de julho, dia dos motoristas! Nos lavamos eu e Osnilde comendo aquelas
gostosuras! Já no Espírito Santo, à margem direita da BR 101, é de enlouquecer
a abundância de formações espetaculares de granito, destacando-se a Pedra do Frade e o baita
boulder encimado por uma capelinha branca e azul. Chegando em Vitória à tardinha,
na hora do rush, um sufoco achar a casa de Barbara, amiga a quem conhecera
fazendo o trek no monte Roraima. Ela fez questão, quando soube que eu passaria
por lá, de que ficasse em sua casa. Vitória, ilha fluvial-marítima, banhada pela
baía de mesmo nome, é uma bela cidade cercada de morros. Do ape de Barbara,
localizado na ilha do Boi, em frente à baía, se avista a extensa 3ª ponte que
liga a capital à Vila Velha onde se destaca, entre vários morros, o do Moreno.
Jerome, marido de Barbara, nos espera com deliciosa janta regada com vinho
português. Osnilde relembra seu francês aprendido no ginásio conversando com o
marselhês Jerome. No dia 26, cruzamos os 3,3 km da ponte e vamos conferir o
Convento da Penha em Vila Velha, encarapitado no alto dum outeiro. A igreja é
linda, pena a multidão de turistas na frente do altar impedindo que eu tire
fotos decentes do recinto. Ato contínuo, voltamos a Vitória para, no bairro das
Goiabeiras, visitar o espaço onde são fabricadas de forma artesanal as famosas
panelas de barro. Claro está que compro uma, linda, com agarrador na tampa em formato de
peixe! E almoçamos torta capixaba num restaurante da orla, prato
típico da culinária do estado, composta por bacalhau, siri desfiado, sururu,
camarão e palmito fresco, coberta com claras batidas em neve. Pra finalizar a
alegre estadia em Vitória, nossos gentilíssimos anfitriões nos levam ao
tradicional restaurante Dona Vilma pra provar a moqueca, considerada pelos
capixabas como a mais autêntica da culinária brasileira porque, segundo eles, o
"resto é peixada." Depois dessa folga de 2 dias em Vitória, na sexta,
voltamos a encarar a estrada. Já no estado fluminense, paramos num restaurante
à beira da BR 101 em Campos dos Goytacazes, cujo cartaz anuncia comida mineira.
Tudo muito bem feitinho, destacando-se a rabada... ótima. Achamos sem muitas
delongas a praia de Jaconé, no balneário de Saquarema, onde ficamos até
domingo na casa da prima Anna Victoria. No sábado, Vic nos leva pra dar um rolê
por Saquarema onde almoçamos e visitamos a branquíssima igreja Nossa Senhora
de Nazaré situada no alto de uma colina com vista pra linda paisagem marítima
cercada de morros. E no domingão, eis nós, mais uma vez na BR 101, atravessando
a ponte Rio-Niterói, enveredando pela linha Vermelha (nenhuma bala perdida nos
atingiu, graças a deus) e seguindo agora pela BR 116, neste trecho conhecida
como Via Dutra até São Paulo. Perrengue cruzar a capital paulista porque o GPS
me mandou ir pela marginal Pinheiros ao invés de ir pelo Rodoanel. Ainda bem
que é domingo porque se assim não fosse eu acho que estacionava o carro no meio
fio e me punha a chorar. Escolho pra pernoitarmos Registro onde já se nota
certa mudança no clima, contudo a temperatura se mantém caliente ma non tropo.
Não dá outra ao ingressar na região sul, sou recepcionada no Paraná por um céu
homogeneamente gris e uma chuva tão fina quanto persistente, tanto que as
palhetas do pára-brisa do carro funcionam sem parar. E a friaca já se faz
sentir em Santa Catarina tanto que a porção nordestina de minha alma se rebela
e exclama "ixe, sou pinguim, não, sou brasileira, tche!" Pernoitamos
em Garopaba num hotel bem legal, dessa feita cada uma em um quarto. Levo
Osnilde pra dar uma banda no centrinho histórico do badalado balneário e depois
vamos até a praia do Rosa já que ela desconhece esta parte do litoral
catarinense. Merda o céu nublado mas sul é assim mesmo no inverno. Dia
seguinte, depois de percorrermos 5.100 km, chegamos sãs e salvas em Porto
Alegre, no último dia do mês de julho. E já na ponta dos cascos, como uma boa gauderia, digo: tô pronta pra outra indiada!
Um comentário:
Que maravilha de Abraçasso em nosso Brasil! É disso que estamos precisando, de mais trocas, conhecimento/respeito da cultura do outro, de mais fé e amor pelas pessoas. Vi e senti muito isso em seus relatos, minha amiga! Que vc siga abraçando esse Brasil e nos presenteando com sua presença, relatos e imagens!
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