Mazaaahhhh
guria, de novo pegando a estrada?!! Mal esquento assento em casa e me mando
pra Argentina. Por qual fronteira entrar, então, hein senhorinha? Unidunitê, salame, minguê, a escolhida
é você, São Borja. Afora 60 km rodados, inicialmente, na BR 386, o restante transcorre na BR
287. Tanto uma rodovia quanto a outra apresentam asfalto deteriorado em largos trechos,
exigindo atenção redobrada desta motorista que vos escreve, já que o perigo é constante
ao dirigir em estradas tão precárias. Uma vergonha a maneira como nossos impostos NÃO
estão sendo bem empregados em infraestruturas básicas como as vias terrestres. E
deixo passar o motivo de o sistema ferroviário ter sido impiedosamente
desmontado no país! Desculpem o desabafo, sei que este blogue não se presta a tal
tipo de reivindicações, mas às vezes sinto muita raiva pelo modo como os
governantes tratam mal o Brasil...arghhh!!! Bueno, à medida que me aproximo de
São Borja, o relevo pontuado por leves ondulações, exibindo horizontes a perder
de vista, indica a presença do pampa. Ocupando inacreditável porção do
território gaúcho - 63%!! –, RS é o único estado brasileiro, juntamente com
Uruguai e Argentina, em abrigar tal bioma no planeta Terra! A pequena São Borja,
com pouco mais de 60 mil habitantes, situa-se à margem do rio Uruguai, sendo considerada
o 1º assentamento dos 7 Povos das Missões. Nos dias que correm, vive mais das
memórias dos ilustres nativos Getúlio Vargas e Jango Goulart, emblemáticos
presidentes brasileiros. Apesar de modesto, o hotel é limpo e tem garagem. Todo
cuidado é pouco nestes tempos violentos em que vivemos no Brasil onde os
assaltos à mão armada não são mais exceção. Dia seguinte, sábado, após o café
da manhã, atravesso a ponte Internacional da Integração sobre o rio Uruguai que
liga Brasil à Argentina. O pedágio é caro, 50 reais! Pode-se pagar em reais
ou pesos. Resolvo fracionar os 1.800 km até Salta em 3 dias. Ontem
foram 585 km de POA até São Borja, hoje será o dia mais longo, 650 km até Pampa
del Infierno onde vou dormir. Sigo pela Ruta Nacional 12 até Corrientes, cidade
grandota com 320 mil habitantes, vendo de relance ruas arborizadas, muitos
edifícios e uma praia cheia de gente à margem do Paraná quando cruzo a ponte sobre
o rio. Após Corrientes, a Ruta Nacional passa a ser a 16. Bem boas as rodovias
e embora tenham apenas uma pista, a velocidade máxima permitida é 110 km. Bastante
controle da gendarmeria, tanto que me param 2 vezes para revistar o carro.
Buscam drogas. Pampa del Infierno pertence à província de Chaco e sua alta temperatura justifica porque é assim
chamada. Os poucos hotéis são modestos e o escolhido por mim hospeda em sua
maioria trabalhadores braçais. Dou um rolê na cidade em busca de algo pra comer
já que o hotel não tem restaurante. Uma gracinha Pampa del Infierno com sua
calmaria de cidade pequena e ruas arborizadas. Encontro uma panaderia cheia de
gostosuras salgadas e doces onde compro algumas delícias engordantes. Retorno
ao hotel e na recepção peço um copo. Já no quarto encho pela metade o copo
com vinho que trouxera de POA acompanhado pelos petiscos comprados há pouco. Durmo
que nem uma angelita! No domingo, saio cedinho de Pampa, às 8, e após Mato
Quemado tanto a RN 16 quanto a paisagem mudam. A rodo torna-se esburacada num
trecho de 40 km. Já o cenário mostra uma natureza mais áspera com toques de aridez,
afinal estamos na região do chaco, constituída por distintos climas e
ecossistemas que abrangem além do pampa, florestas e também o
semiárido. Cartazes advertem “atese a la vida use cinturón de seguridad”. Paro
em Quebrachal e almoço deliciosas empanadas num despretensioso quiosque. Não há viva
alma nas ruas, pudera, o calor é de antecâmara de inferno. No final da RN 16 já
avisto o perfil de alguns picos da cordilheira dos Andes. Ao dobrar na RN 9
constato com alegria ser uma via duplicada e piso forte no acelerador, chegando
em Salta às 15 e 45 depois de 574 km. Pego um hotel perto da Plaza 9 de Julio,
centro da cidade, onde há diversos restaurantes com menu turístico cuja comida é
bem ruinzinha. Nem o torrontés se salva, tanto que deixo um tanto de vinho na taça.
Desapontada volto ao hotel e pouca demora pego no sono tão cansada estou depois
de 3 dias viajando. Na segunda-feira, descanso no hotel até umas 11 horas,
afinal, o tirão de 3 dias na estrada está cobrando seu preço. Resolvo ir a pé
ao cerro San Bernardo cuja distância é ninharia. Resolvo subir até o topo do cerro de teleférico donde desfruto duma visão legal de Salta. A cidade situa-se no vale de Lerma,
rodeado pela cordilheira dos Andes cujos picos nesta região não ultrapassam os
4 mil metros. Compro uma salada de frutas deliciosa e desço as escadarias
mastigando devagarinho a refrescante iguaria. Durante a descida vejo muita
gente subindo. A maioria, caminhando, enquanto um e outro galgam correndo os
degraus. Haja fôlego pra tal façanha! Almoço num restaurante em frente ao
convento de San Bernardo cujo wifi é uma boa bosta. Salta com suas ruas arborizadas, lindas igrejas, rodeada por cerros andinos e clima ameno, realmente, faz jus ao apelido La Linda. Retorno ao hotel no meio da
tarde onde permaneço o resto do dia vendo televisão e bebendo, agora sim, um
torrontés saltenho de boa qualidade, comprado no supermercado. Enquanto beberico
o vinho assisto ao programa de variedades apresentado por Moria Casán,
setentona, super plastificada, cujas feições envoltas por compridos e lisíssimos cabelos lembram Morticia Adams. Divirto-me a
beça com a argentina que encerra a atração convocando as convidadas a que “levanten
las patitas”, o que elas fazem erguendo as pernas como se estivessem num show
de cancan. Moria, por sua vez, dirige-se até a câmera como se fosse adentrar no
dispositivo, despedindo-se com o alegre bordão “estoy ahora salindo de sua
casa”.....hahahaha....muito hilário!!! Quando estive em Salta em 2016 fazendo o
trek de Las Nubes contratara como guia, Fernando, mendocino, aquerenciado há
anos aqui já que é casado e tem um filho com uma saltenha. O argentino me agradara
bastante por sua gentileza e conhecimento da região. Quando vi no Face que ele estava
organizando uma expedição ao Licancabur, resolvo ir junto também. Por que não
subir aquele vulcão, onipresente em todos os pontos onde se esteja em San Pedro
de Atacama, cidade que conheci em 2007 escalando o Laskar, não é mesmo? Como
estou meio fora de forma, combino com ele, antes de partirmos pra Bolívia,
caminhadas pelos morros dos arredores. Então na terça, a primeira pernada é o ascenso
ao cerro Elefante (1.910 metros) e desnível de 466 metros com 3,5 km de trilha
situado na Quebrada de San Lorenzo. A trilha até o topo percorre a
yunga, mata nativa com centenas de
variedades de vegetação, destacando-se orquídeas, bromélias e cactus. Dia
ensolarado, sem nuvens no céu e temperatura atingindo picos de 34ºC, o que
deixa a caminhada bem pesada considerando não só a acentuada aclividade como o
terreno coberto com pedrinhas soltas, tipo cascalho. Do alto do cerro se
enxerga o centro de Salta e seus diversos bairros constituídos por condomínios
públicos e privados. À direita, o cerro San Lorenzo e à frente, abraçando o
vale de Lerma, a Cordilheira dos Andes. Lá no fundão, o cerro San Bernardo onde
ontem estivera. Na quarta-feira, lá vamos nós, subir o cerro San Lorenzo situado na quebrada de mesmo nome. A temperatura
mudou completamente: céu coberto de nuvens e temperatura em torno de 22º C. Com
2.220 metros e desnível de 893 metros, o cerro San Lorenzo tem distância de 10
km. A trilha, paralela ao agora minguado San Lorenzo, rio que somente no verão
exibe volume considerável, também percorre a yunga, Contudo, não é tão exposta e íngreme quanto a do cerro
Elefante porque se dá praticamente dentro da mata e 60% do percurso se
desenrola em terreno de suave aclividade. Apenas perto do cume rola uma subida
um pouco mais exigente mas nada que se compare à do dia anterior. Chega-se a um
platô donde se avistam os cerros Lajas, Lesser, Medano e Yacones. Após uma
subidinha amena de 15 minutos, pronto, eis o cume! Caminhamos até a outra ponta
do cerro donde se avista Salta. Ali almoçamos, nos demorando pouco porque
começa a esfriar e a ventar o que nos obriga a descer. Terminamos o trek comendo
no Kiosco La Quebrada, situado no início da trilha, deliciosas empanadas feitas
pelo atencioso dono. A caminhada mais linda inegavelmente é a do canyon do rio
Lesser, realizada na quinta-feira, apesar da garoa e do céu totalmente nublado.
Uma parte da trilha se dá em terreno plano cruzando potreiros. Na vegetação da yunga, destacam-se os ceibos, árvore nacional da
Argentina, cujas flores fazem um contraponto vermelho entre a verdejante e
farta copa. Há variedades de pequenas e delicadas flores, cuja coloração ora se
mostra branca, ora lilás ou então amarela. E renques de copos de leite!! À
medida que se avança, as flores rareiam e já se veem os paredões do canyon. No início, ambas as margens do
rio apresentam-se recobertas de pedras miúdas. Bastante musgo nos troncos das
árvores e poucas flores quanto mais se penetra no canyon. É necessária uma travessia no rio e logo se entra num
bosque cerrado ganhando-se altura. Lá embaixo o rio começa a se estreitar e as
pedras vão se tornando matacões. As subidas são suaves debaixo dum dossel
formado por luxuriante vegetação. São 4 as travessias até se alcançar a cascata
cuja altura não ultrapassa 50 metros com pouca água despencando paredão abaixo
porque a estação chuvosa ocorre no verão. E o céu nublado se mantém na sexta durante
o curto passeio de 5,5 km a Las Costas. As retamas, arbustos de cheirosa floração, estão a mil, atapetando o chão com suas pétalas amarelas. O terreno plano cede lugar a subidas amenas
terminando no topo da colina onde mais uma vez me deparo com a visão, dessa feita, enevoada de Salta, esparramada no vale abaixo.
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