sexta-feira, 5 de outubro de 2018

Retorno a Salta, La Linda

Mazaaahhhh guria, de novo pegando a estrada?!! Mal esquento assento em casa e me mando pra Argentina. Por qual fronteira entrar, então, hein senhorinha? Unidunitê, salame, minguê, a escolhida é você, São Borja. Afora 60 km rodados, inicialmente, na BR 386, o restante transcorre na BR 287. Tanto uma rodovia quanto a outra apresentam asfalto deteriorado em largos trechos, exigindo atenção redobrada desta motorista que vos escreve, já que o perigo é constante ao dirigir em estradas tão precárias. Uma vergonha a maneira como nossos impostos NÃO estão sendo bem empregados em infraestruturas básicas como as vias terrestres. E deixo passar o motivo de o sistema ferroviário ter sido impiedosamente desmontado no país! Desculpem o desabafo, sei que este blogue não se presta a tal tipo de reivindicações, mas às vezes sinto muita raiva pelo modo como os governantes tratam mal o Brasil...arghhh!!! Bueno, à medida que me aproximo de São Borja, o relevo pontuado por leves ondulações, exibindo horizontes a perder de vista, indica a presença do pampa. Ocupando inacreditável porção do território gaúcho - 63%!! –, RS é o único estado brasileiro, juntamente com Uruguai e Argentina, em abrigar tal bioma no planeta Terra! A pequena São Borja, com pouco mais de 60 mil habitantes, situa-se à margem do rio Uruguai, sendo considerada o 1º assentamento dos 7 Povos das Missões. Nos dias que correm, vive mais das memórias dos ilustres nativos Getúlio Vargas e Jango Goulart, emblemáticos presidentes brasileiros. Apesar de modesto, o hotel é limpo e tem garagem. Todo cuidado é pouco nestes tempos violentos em que vivemos no Brasil onde os assaltos à mão armada não são mais exceção. Dia seguinte, sábado, após o café da manhã, atravesso a ponte Internacional da Integração sobre o rio Uruguai que liga Brasil à Argentina. O pedágio é caro, 50 reais! Pode-se pagar em reais ou pesos. Resolvo fracionar os 1.800 km até Salta em 3 dias. Ontem foram 585 km de POA até São Borja, hoje será o dia mais longo, 650 km até Pampa del Infierno onde vou dormir. Sigo pela Ruta Nacional 12 até Corrientes, cidade grandota com 320 mil habitantes, vendo de relance ruas arborizadas, muitos edifícios e uma praia cheia de gente à margem do Paraná quando cruzo a ponte sobre o rio. Após Corrientes, a Ruta Nacional passa a ser a 16. Bem boas as rodovias e embora tenham apenas uma pista, a velocidade máxima permitida é 110 km. Bastante controle da gendarmeria, tanto que me param 2 vezes para revistar o carro. Buscam drogas. Pampa del Infierno pertence à província de Chaco e sua alta temperatura justifica porque é assim chamada. Os poucos hotéis são modestos e o escolhido por mim hospeda em sua maioria trabalhadores braçais. Dou um rolê na cidade em busca de algo pra comer já que o hotel não tem restaurante. Uma gracinha Pampa del Infierno com sua calmaria de cidade pequena e ruas arborizadas. Encontro uma panaderia cheia de gostosuras salgadas e doces onde compro algumas delícias engordantes. Retorno ao hotel e na recepção peço um copo. Já no quarto encho pela metade o copo com vinho que trouxera de POA acompanhado pelos petiscos comprados há pouco. Durmo que nem uma angelita! No domingo, saio cedinho de Pampa, às 8, e após Mato Quemado tanto a RN 16 quanto a paisagem mudam. A rodo torna-se esburacada num trecho de 40 km. Já o cenário mostra uma natureza mais áspera com toques de aridez, afinal estamos na região do chaco, constituída por distintos climas e ecossistemas que abrangem além do pampa, florestas e também o semiárido. Cartazes advertem “atese a la vida use cinturón de seguridad”. Paro em Quebrachal e almoço deliciosas empanadas num despretensioso quiosque. Não há viva alma nas ruas, pudera, o calor é de antecâmara de inferno. No final da RN 16 já avisto o perfil de alguns picos da cordilheira dos Andes. Ao dobrar na RN 9 constato com alegria ser uma via duplicada e piso forte no acelerador, chegando em Salta às 15 e 45 depois de 574 km. Pego um hotel perto da Plaza 9 de Julio, centro da cidade, onde há diversos restaurantes com menu turístico cuja comida é bem ruinzinha. Nem o torrontés se salva, tanto que deixo um tanto de vinho na taça. Desapontada volto ao hotel e pouca demora pego no sono tão cansada estou depois de 3 dias viajando. Na segunda-feira, descanso no hotel até umas 11 horas, afinal, o tirão de 3 dias na estrada está cobrando seu preço. Resolvo ir a pé ao cerro San Bernardo cuja distância é ninharia. Resolvo subir até o topo do cerro de teleférico donde desfruto duma visão legal de Salta. A cidade situa-se no vale de Lerma, rodeado pela cordilheira dos Andes cujos picos nesta região não ultrapassam os 4 mil metros. Compro uma salada de frutas deliciosa e desço as escadarias mastigando devagarinho a refrescante iguaria. Durante a descida vejo muita gente subindo. A maioria, caminhando, enquanto um e outro galgam correndo os degraus. Haja fôlego pra tal façanha! Almoço num restaurante em frente ao convento de San Bernardo cujo wifi é uma boa bosta. Salta com suas ruas arborizadas, lindas igrejas, rodeada por cerros andinos e clima ameno, realmente, faz jus ao apelido La Linda. Retorno ao hotel no meio da tarde onde permaneço o resto do dia vendo televisão e bebendo, agora sim, um torrontés saltenho de boa qualidade, comprado no supermercado. Enquanto beberico o vinho assisto ao programa de variedades apresentado por Moria Casán, setentona, super plastificada, cujas feições envoltas por compridos e lisíssimos cabelos lembram Morticia Adams. Divirto-me a beça com a argentina que encerra a atração convocando as convidadas a que “levanten las patitas”, o que elas fazem erguendo as pernas como se estivessem num show de cancan. Moria, por sua vez, dirige-se até a câmera como se fosse adentrar no dispositivo, despedindo-se com o alegre bordão “estoy ahora salindo de sua casa”.....hahahaha....muito hilário!!! Quando estive em Salta em 2016 fazendo o trek de Las Nubes contratara como guia, Fernando, mendocino, aquerenciado há anos aqui já que é casado e tem um filho com uma saltenha. O argentino me agradara bastante por sua gentileza e conhecimento da região. Quando vi no Face que ele estava organizando uma expedição ao Licancabur, resolvo ir junto também. Por que não subir aquele vulcão, onipresente em todos os pontos onde se esteja em San Pedro de Atacama, cidade que conheci em 2007 escalando o Laskar, não é mesmo? Como estou meio fora de forma, combino com ele, antes de partirmos pra Bolívia, caminhadas pelos morros dos arredores. Então na terça, a primeira pernada é o ascenso ao cerro Elefante (1.910 metros) e desnível de 466 metros com 3,5 km de trilha situado na Quebrada de San Lorenzo. A trilha até o topo percorre a yunga, mata nativa com centenas de variedades de vegetação, destacando-se orquídeas, bromélias e cactus. Dia ensolarado, sem nuvens no céu e temperatura atingindo picos de 34ºC, o que deixa a caminhada bem pesada considerando não só a acentuada aclividade como o terreno coberto com pedrinhas soltas, tipo cascalho. Do alto do cerro se enxerga o centro de Salta e seus diversos bairros constituídos por condomínios públicos e privados. À direita, o cerro San Lorenzo e à frente, abraçando o vale de Lerma, a Cordilheira dos Andes. Lá no fundão, o cerro San Bernardo onde ontem estivera. Na quarta-feira, lá vamos nós, subir o cerro San Lorenzo situado na quebrada de mesmo nome. A temperatura mudou completamente: céu coberto de nuvens e temperatura em torno de 22º C. Com 2.220 metros e desnível de 893 metros, o cerro San Lorenzo tem distância de 10 km. A trilha, paralela ao agora minguado San Lorenzo, rio que somente no verão exibe volume considerável, também percorre a yunga, Contudo, não é tão exposta e íngreme quanto a do cerro Elefante porque se dá praticamente dentro da mata e 60% do percurso se desenrola em terreno de suave aclividade. Apenas perto do cume rola uma subida um pouco mais exigente mas nada que se compare à do dia anterior. Chega-se a um platô donde se avistam os cerros Lajas, Lesser, Medano e Yacones. Após uma subidinha amena de 15 minutos, pronto, eis o cume! Caminhamos até a outra ponta do cerro donde se avista Salta. Ali almoçamos, nos demorando pouco porque começa a esfriar e a ventar o que nos obriga a descer. Terminamos o trek comendo no Kiosco La Quebrada, situado no início da trilha, deliciosas empanadas feitas pelo atencioso dono. A caminhada mais linda inegavelmente é a do canyon do rio Lesser, realizada na quinta-feira, apesar da garoa e do céu totalmente nublado. Uma parte da trilha se dá em terreno plano cruzando potreiros. Na vegetação da yunga, destacam-se os ceibos, árvore nacional da Argentina, cujas flores fazem um contraponto vermelho entre a verdejante e farta copa. Há variedades de pequenas e delicadas flores, cuja coloração ora se mostra branca, ora lilás ou então amarela. E renques de copos de leite!! À medida que se avança, as flores rareiam e já se veem os paredões do canyon. No início, ambas as margens do rio apresentam-se recobertas de pedras miúdas. Bastante musgo nos troncos das árvores e poucas flores quanto mais se penetra no canyon. É necessária uma travessia no rio e logo se entra num bosque cerrado ganhando-se altura. Lá embaixo o rio começa a se estreitar e as pedras vão se tornando matacões. As subidas são suaves debaixo dum dossel formado por luxuriante vegetação. São 4 as travessias até se alcançar a cascata cuja altura não ultrapassa 50 metros com pouca água despencando paredão abaixo porque a estação chuvosa ocorre no verão. E o céu nublado se mantém na sexta durante o curto passeio de 5,5 km a Las Costas. As retamas, arbustos de cheirosa floração, estão a mil, atapetando o chão com suas pétalas amarelas. O terreno plano cede lugar a subidas amenas terminando no topo da colina onde mais uma vez me deparo com a visão, dessa feita, enevoada de Salta, esparramada no vale abaixo.

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