Pretendo com este blog descrever viagens que fiz e farei por este tão lindo planeta, resgatando da memória as impressões armazenadas, algumas já esmaecidas pelo tempo, outras prudentemente registradas pelo olho mágico das lembranças fotográficas.
sexta-feira, 27 de setembro de 2013
Mantiqueirando
Embarcamos eu, Zé Natureza,
Willian e Rodolfo, no 4x4 dirigido por Thomas. Este passaquatrense da gema,
dono duma oficina mecânica onde também restaura carros antigos, paixão que
herdou do avô, é dono dum autêntico sotaque de mineiro do interior. O ponto de
partida de nossa pernada é o município de Aiuruoca, distante 100 km de Passa4. Inicialmente,
rodamos pela MG 354, parando rapidamente em Pouso Alto onde os guris compram
uma rica duma cachaça e ainda um belo naco de queijo colonial. Lá pelas tantas,
Thomas envereda por uma estrada de chão batido que faz parte do famoso circuito
Caminho dos Anjos, clássico pedal de 240 km nas terras altas da Mantiqueira. A viagem
dura quase duas horas quando então paramos a beira duma estradinha já a uma
altitude de 1.760 m. Estamos do outro lado do vale do Matutu, escondido das
nossas vistas pela belezura dessa serra do Papagaio, que se vê de cabo a rabo
no sentido oeste-leste, destacando-se de imediato o pico do Papagaio. A indiada que faremos é uma travessia
de 3 dias, no sentido norte-sul, percorrendo uma porção da serra do Papagaio e ainda
um vistaço na serra do Charco. Terminaremos no sopé da serra de Sto Agostinho,
em Alagoa, coroando o domingão. E lá vamos nós estrada afora, donde do solo afloram pontinhos brilhantes:
é a mica à flor da terra! Nem bem 15 minutos de soca-bota, uma placa indica que
estamos numa área de preservação natural, chamada serra dos Garcias. Ao longe,
bem ao longe, vislumbre duma cachoeira e seu véu de água carimbando de branco o verdor da mata adjacente. No Ipod shuffle, escuto uma versão
eletrônica de tangos e milongas...um barato! Após 1 hora e 3 km de subida,
entramos nos Campos do Senhor. Tal nome, por óbvio, em louvor a JC, deve ter
sido dado pelos onipresentes jesuítas, quando cá estiveram há coisa de 2
séculos. Vestígios de suas andanças materializam-se nos escombros duns muros de
taipa que marcam a entrada no “campo santo”. Atravessamos o ribeirão do
Papagaio cujo fluxo minguado de água mesmo assim permite que reabasteçamos
nossas garrafas. Eu me recuso a pôr clorim, gosto nadica de nada do sabor desagradável
que esse desinfetante deixa na água. Até hoje meus exames de fezes nunca
acusaram verme algum, tá ligado? Variedades de flores, cada uma mais linda que
a outra nas campinas mantiqueirenses. Uma delícia vê-las balançando ao sabor da
brisa. A subida continua até o retiro dos Pedros onde os cercados de taipas mostram-se
bem melhor conservados. Rodolfo explica que serviam como proteção ao gado.
Árvores de pequeno porte fornecem uma sombra gostosa. Eu e Zé, sentados em
bancos improvisados nas pedras, aguardamos, famintos, os guias prepararem o almoço.
É um baita dum engasga-gato composto de pão de sanduíche, lombinho defumado,
queijo provolone, tomate, mostarda e um chimichurri danado de bom feito por
Rodolfo. De bebida, suco de morango....de pacote, é claro! O dia, supimpa, sem
pinta alguma de nuvem no céu, temperatura cálida. Descansamos após a refeição,
cada um largado no chão, pensando na vida. Silêncio bom, gostoso demais. Entretanto
há que se movimentar. Os guias dão o exemplo socando o tralharedo no interior
de suas cargueiras, pesando cada uma uns 30 kg, ao passo que eu e Zé pegamos
nossas levianas mochilas sem esforço algum, hehe. Retomamos a caminhada,
atravessando inicialmente campos, entrando depois numa refrescante mata atlântica, sucedida por outra vastidão de campos que dão lugar a mais um bosque
de mata atlântica. Contornamos o pico do Gamarra, outro point super procurado
pelos montanhistas brasileiros que adoram fazer seu cume de 2.357m. Mais adiante,
o largo platô, conhecido como Cerro Frio (2.067 m), devido a sua localização privilegiada,
é o lugar escolhido para ser nosso acampamento. Donde nos encontramos, se tem
uma panorâmica sensacional da Mantiqueira: ao sul, o vale do Gamarra
esparramando-se diante das serras da Careta, do Chapadão e do Garrafão, em segundo
plano, o dorso calomboso da serra dos Coelhos. Ao longe, mal se distinguindo, Marins,
Marinzinho e Itaguaré. Bem mais visíveis, porém, se mostram 3 Estados e Alto
dos Ivos, picos pertencentes ao complexo da serra Fina, vizinha de quadra do
maciço de Itatiaia. À leste, vale do Matutu donde sobressaem os picos da Mitra,
Bispo, Nogueira e Cabeça de Leão. Lá no fundão, já em Visconde de Mauá, a
pontinha afiada do cume do Alcantilado. O local onde estamos, Cerro Frio, vem a
ser a divisa entre a Serra do Papagaio e a do Charco. Sentados ao ar livre - eu
já dentro do saco de dormir porque muito friorenta - curtimos o rápido pôr do
sol cuja coloração vibrante incendeia de vermelho as bandas de Caxambu e torna dourado
o capim ao redor. Cinemascópica visão! E dale a beber vinho tinto pra se aquecer. Quando
a noite se instala em definitivo, mais um regalo: o céu impecavelmente estrelado
pisca boa noite para nosotros. É tudo de bom mantiqueirar!!
Um comentário:
"Quando a noite se instala em definitivo, mais um regalo: o céu impecavelmente estrelado pisca boa noite para nosotros."
Que bonito a minha amiga "poetando"...
Experiências maravilhosas!
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