quinta-feira, 21 de abril de 2011

Serra Preta sob um céu de anil

O coelhinho me reservou uma baita surpresa nesta Páscoa. E tive de ir longe pra ganhar - não ovinhos que teriam derretido sob o sol escaldante do cerrado mineiro - 12 novos amigos com quem trilhei, durante 4 dias, 70 km de subidas e descidas, partindo de Delfinópolis até São João Batista do Glória. Mas que coisa essa minha ansiedade, já estou eu adiantando a estória! Te acalma, Biazinha, relaxa (pausa), e trata de retornar no tempo, aterrissando tua pressa no aeroporto de Ribeirão Preto junto com o avião que acaba de pousar em solo paulistano nessa bela manhã de quarta-feira. Pensar que tudo começou quando eu, ao ler as postagens no facebook, me deparo com uma feita pelo André Dib falando sobre uma caminhada na Serra Preta que ele está querendo organizar pra Páscoa. Sem nenhum plano definido pro feriadão - falta apenas uma semana -, vejo ali uma boa promessa de trek. E bem metida - nem conheço o cara! - me ofereço, assim, na cara dura, pra participar da indiada. E ele topa! E me agrega ao grupo! Iniciamos, então, uma série de troca-troca de emails em que os demais membros da expedição são agregados àquela trip que se forma nas correspondências eletrônicas. Assim vou conhecendo um pouco as pessoas com quem conviverei no feriado pascoalino. E, eis-me aqui, diante de Cassandra, mulher do Dib, que está me aguardando no aeroporto. A jovem mulher escancara um hospitaleiro e largo sorriso de boas vindas. Seus olhos castanhos dum colorido extraordinário sorriem também. Cassandra, a meu pedido, me deixa próxima a um supermercado onde compro o rango que levarei, calculado milimetricamente pra cada dia de caminhada: 3 massas miojo, 3 latas de sardinha com molho de tomate, pão preto, polenguinho, um mix de nozes, castanhas, amendoim e pistache, 3 todinhos, 6 barras de proteína e 2 de cereais. É com isso que vou me alimentar. Nada mais que isso, hehe. Afinal é a primeira vez que levarei mochila cargueira com barraca e tudo nas costas. Assim quero economizar ao máximo no peso. Depois dum almoço com André e Cassandra, simbora pra Delfinópolis, carinhosamente apelidada de Delfis pelos íntimos, onde chegamos após 2 horas de viagem no carro, atrolhado de bagagens, conduzido por André. Situada do outro lado da represa Peixoto, alcançar essa cidadezinha mineira com pouco mais de 6 mil habitantes, exige sabem o quê? Travessia de balsa. André – ah, esse Dibão – cumpre seu ritual de nadar ao largo do poderoso ferry boat amarelo até a margem oposta. Adotada que fui pelo casal, sou convidada pra visitar uns amigos. Já na casa de Vera e Zé Mauro sou tão bem recebida que não tem como não me sentir à vontade. Com vinhos tintos de boa qualidade, celebramos a ressurreição do Zé (por pouco não ficou paralítico devido a um acidente de bici) e ao niver antecipado do André, que completará 35 aninhos amanhã. Pra forrar o estômago, pãezinhos saídos do forno em que a manteiga se derrete em contato com a massa. Não faltou na mesa, pois pois, queijo da Canastra, uai! Lá pelas tantas chegam o Bernardo e a Renata, mineiros de BH, mais o Rubão e a Paola, naturais, também, de Ribeirão Preto. Jantamos os sete na Pizzaria Barco onde tomamos mais 2 garrafas de vinho tinto, terminando com certa relutância a noitada. Mas o dever se impõe: amanhã é dia D, portanto, caminha!! Pernoito numa pousada bem simples, cuja dona, a afável Maria Olivia, ainda de pé, me recepciona, apesar do adiantado da hora: passa um pouco da meia-noite.
Embora tenha dormido, se tanto 3 horas, excitada pelo vinho e pela perspectiva da pernada, lá pelas 5, o celular toca a alvorada, o que faz com que eu levante serelepe, nesta quinta-feira, 21 de abril, data da morte de Tiradentes, como se tivesse dormido 10 horas a fio! Na Padaria Lima, encontra-se uma galera que também participará da pernada. Chegaram mais paulistas ontem à noite mas sei lá por que acabaram se desencontrando de nós. Dos 4, somente Jorge Soto me é familiar. Conheço o cara de nome, porque leio suas aventuras no site Alta Montanha. E como ninguém se apresenta, trato eu de me apresentar. Descubro, assim, Vivi, Fabio e Lu, amigos de Soto, devorando, com devoção, sandus de mortadela. A padoca exibe em suas montras biscoitos, pãezinhos doces e salgados mais uma variedade de iguarias de deixar a gente com água na boca, sem saber o que escolher. Opto por um pão de queijo e um enroladinho de goiabada. Alimentados, embarcamos nos carros e rumamos até o sítio do Ézio e da Saulita que cobram modestos 5 pilas de ingresso. Ali deixamos os carros até nosso retorno que acontecerá domingo. Em cima do balcão do bar, uma cachaça de cor amarela chama minha atenção. Envelhecida em barril de carvalho, a aguardente, produzida nos alambiques de São João Batista do Glória, goza de boa fama entre os apreciadores desta bebida. Embora o sol mal dê pinta atrás dos morros que guardam a região - nem bem 7 horas ainda são -, sigo à risca aquela regra de etiqueta “em Roma como os romanos”, motivo por que sou obrigada a pedir um gole da pinga, comprovando, assim, sua excelência. Não dá outra: compro R$ 2,10 da cachaça que, segundo a medida generosa de Saulita, praticamente enche uma garrafinha de plástico de 500 ml. E ao pegarmos a trilha que nos conduzirá ao alto da Serra Preta, guardo no canto do olho a visão do elegante chapéu branco, envergado por Ézio. Na subida constante até o alto da serra Preta, alguns trechos empedrados exigem certo cuidado. Como estou carregando a tal mochila, cujo peso ultrapassa um pouco os 9 kg, minha passada mais lenta me obriga a caminhar devagar. Sem pressa nenhuma, vêm atrás de mim, Marco e Serjão, dois amigos de Dib, também paulistas. Curiosa que sou, trato logo de travar conhecimento com a dupla. Dá pra perceber que eles já se conhecem faz um eito pelo conversê animado e cheio de referências que trocam entre si. Entretanto, minha paixão pela Geologia, desvia-se pra qualidade das rochas, de evidente origem sedimentar, que formam o complexo da Canastra. Em certos trechos, impõe-se uma composição calcárea no arenito, permeando-o de branco e amarelo. Pequenas cachus interrompem o fluxo do rio que passa ao largo da trilha por onde caminhamos. Embora não seja primavera, os arbusto exibem discreta floração azul, lilás, rosa, amarela e fúcsia. À medida que ganhamos altura, mais frequentes as canelas de ema. Pena que não estejam em época de florada, pois se assim fosse seria um festival lilás de encher os olhos. Os campos rupestres, uma das vertentes vegetais do cerrado, dá um show de elegância visual. Quando atingimos a crista da serra Preta, um coro de ohs ecoa do grupo enquanto as máquinas digitais disparam cliques, enquadrando a deslumbrante visão da serra da Gurita. Situada entre as serras Preta e da Canastra, a Gurita apresenta, em sua verdejante parede oeste, profundas ravinas onde, de algumas, despencam quedas d’água com bem mais de 100 m de altura. Ao longe, mal e mal, divisa-se uma nesga da crista da Canastra. Depois da árdua subida que durou 3 horas, somos recompensados com uma caminhada sobre um terreno plano crivado de canelas de ema cujos pequenos tocos dão calços insidiosos em nossos pés, caso não prestemos atenção por onde andemos. Já com o termômetro ultrapassando em dois pontos os 30º C – e nem 11 horas ainda são! - providenciais córregos ao longo da trilha proporcionam momentos de refresco onde fazemos breves pausas pra molhar rosto, pescoço e repor água nos cantis. Quando atingimos aquele monstrengo metálico que os tempos modernos impõem na paisagem – uma torre de telefonia celular -, um descanso se impõe. Não é fácil caminhar com mochila pesada embaixo dum sol a pino mesmo após 4 horas. Todos estão cansados, exceto Soto. Esse guri, de 40 aninhos, curte demais desafios. Moleque, sobe até o final da torre pra fotografar do seu alto a região. O resto do grupo limita-se a observá-lo, uns não se animando a segui-lo por falta de coragem – meu caso - , outros por preguiça e os demais por total desinteresse nesse tipo de proeza. O céu seria dum azul impecável, se não fossem alguns tufos gorduchos de nuvens espalhados aqui e acolá. Por breves momentos, uma nuvem desgarrada passa sob o sol, toldando-o. Aleluia!! Bem vinda sombra! Contudo a moleza da caminhada sem subidas termina após mais uma parada que fazemos, dessa feita, pro almoço. A nossa frente, duas marvadas e íngremes lombas, intervaladas entre si por um breve trecho de terreno plano, nos acenam com um sadismo alegre. Se eu não estivesse carregando a tal cargueira, não teria penado tanto. Porém o peso nos costados me faz sentir muito as duas ladeiras. Subo a última rampa do dia bufando. Com desespero, me apoio nos providenciais bastões que costumo usar nos treks. E suspirando de alívio - aleluia - alcanço o topo do morro, onde mais uma vez me reúno a Marcos e Serjão que, já há algum tempo, ali se encontram. E partimos, deixando lá embaixo o resto do pessoal que aguarda, contudo, a chegada de Bernardo e Renata. Os mineiros, coitados, já evidenciam muito cansaço, em particular, a moça, nem um pouco afeita a pernadas tão árduas. Serjão e Marco - coisa mais querida esses dois -, no afã de mostrar seus conhecimentos sobre a região, revelam, pra minha alegria, os nomes dos lugares. Assim, fico sabendo que aquela cicatriz, rasgando a cobertura verde da crista da serra Grande, é a estrada do Céu. Já a oeste, Marco identifica os pequenos pontinhos brancos, perdidos na vastidão do verdejante vale, como Olhos d’Água e Ponte Alta, distritos pertencentes a Delfinópolis. Serjão deixa vir a tona seu passado de guia e informa que a represa Peixoto, onipresente neste primeiro dia de pernada, não gera energia, não! Funciona como uma grande caixa d’água, alimentando, dessa forma, algumas usinas hidrelétricas que se localizam abaixo dela. E os dois companheiros orientam meus olhos míopes em direção à chamativa serra da Babilônia onde jaz a seus pés São João Batista do Glória, conhecida apenas como Glória, e um pouco mais adiante Passos. Consigo, então, vislumbrar o restante do nosso trek, guiada pela visão precisa de Marco. Ulálá....nem acredito!! Finalmente, uma descida que conduz ao vale do Bateia. Percorremos então uns campos sujos com direito a paradinha pra encher os cantis num minguado filete d'água. Após um ligeiro bate-boca entre Serjão e Marco sobre qual o melhor caminho pra alcançar a estrada do Lazinho Vassoureiro, desembocamos na dita cuja. Coberta daquela areia fininha e bem branquinha, eis de repente, a estradinha invadida por um cortejo infindável de dezenas e dezenas de motoqueiros que passam levantando poeira e sujando o silêncio com o barulho de seus possantes motores. Até me distraio um pouco da fadiga e, embora um pouco irritada devido ao cansaço, retribuo as saudações de alguns motoqueiros. Chegamos enfim ao acampamento, situado às margens do rio Bateia. Intermináveis essas últimas 3 horas. Foram 10 horas de pernada pra vencer 22 km num desnível de 850 m!! Segundo André, o dia mais pauleira dos quatro. Será? Quando tiro a mochila, meu corpo, desequilibrado pela ausência do peso (?!), balança pra frente e pra trás. Me sinto como aquele brinquedinho, o João Bobo, tá ligado? Aaahhh.... mas nem tudo são espinhos. O Bateia, rio estreito e pedregoso, num trabalho de erosão milenar nas rochas, criou um diminuto canyon através do qual se espremem as águas até então tranqüilas de seu curso, despencando vibrantes e livres, logo adiante, no largo degrau que forma uma bela cachoeira. Entro na água morninha do rio e lavo meu rosto melado de sal do tanto de suor que verti durante o dia. Nem acredito no que não sinto: nenhum mosquito incomodando! Sob um céu estreladíssimo, jantamos, enquanto conjecturamos sobre o atraso do grupo. O que será que houve, perguntamos num misto de curiosidade e preocupação. Concluímos, depois de muito conversê, que eles preferiram, devido ao adiantado da hora, parar e acampar em outro lugar. Exausta, afinal, dormi pouquíssimo a noite passada, dou boa noite e me recolho na barraca. Meu corpo anseia pelo conforto da horizontalidade. Os dois homens, animados pela caipirinha feita por Serjão, batem animado papo que escuto, deliciada, do interior de minha "casa". Lá pelas tantas, Marco, com aquela sua fala arrastada, declara “Ser - jão (pausa), vou dor – mir”. E o silêncio reinaria no acampamento se não fosse o ruído forte da correnteza do rio Bateia.

5 comentários:

Miriam Chaudon disse...

Nossa! Você foi longe mesmo,hem! Coisa boa viajar! Beijo.

Bernardo Puhler disse...

Muito bom rever aqui pelos dedos Bea, no aguardo do próximo. abraço-espinhaço!

André Dib disse...

Show de bola Bea

Rêca disse...

Bea, que delícia seu relato! Quero mais!!! Um beijão!

Paulo Roberto - Parofes disse...

Taí um lugar Bea e uma travessia que eu nunca tinha escutado falar. Serra Petra pra mim era a Pedra Preta, ou Pico da Serra Negra do Itatiaia! kkkkk