sábado, 5 de março de 2011

Acampamento Tek

Após viajar desde a tardinha de sexta-feira até as 2 da madruga de sábado, chego a Boa Vista, capital de Roraima, cheia de dor nas pernas de tanto ficar sentada naquelas poltronas apertadas de avião. E olha que tenho pernas curtas! Aguardo no aeroporto, porque nem vale a pena ir prum hotel já que a expedição ao Monte Roraima, lugar escolhido por mim pra desfrutar o feriado de carnaval, parte da capital roraimense às 5 da manhã. Pego o último tomo (gostaram do sinônimo pra volume?) de Millenium e cochilo sentada naquelas cadeiras de plástico duro que todo aeroporto que se preza não deixa de ter. Às 4 e 30, um cara altíssimo, com pinta de jogador de basquete, se aproxima e pergunta se não sou quem eu sou, hehehe. Identifica-se como o guia Francisco e me convida pra tomar assento no minibus que já se encontra estacionado em frente ao aeroporto. Valéria, amiga que restou dentre as muitas juras de amizade trocadas, em 2007, num trek na Chapada dos Veadeiros, acaba de chegar no voo das 4 e 30. Embarcamos e vamos buscar o restante do pessoal nos hotéis onde se encontram hospedados. Lili, outra amizade, resultante do trek ao Pico da Neblina, adentra o veículo e espalha seu sorriso luminoso e olhar caloroso em minha direção. Faço aquela algazarra, saudando minha amiga. Eita...bom demais rever amigos e tê-los ao lado nas trilhas. O minibus está lotado. Afinal, nosso grupo nem tão pequeno é: são 16 pessoas. No início de qualquer viagem, quando a turma é grande, não me preocupo muito em conhecer de imediato os colegas de pernada. À medida que vou caminhando, emparelho com um e outro de modo a trocar idéias e saber seus nomes. Eu e Valeria, aceleradas pela noite sem dormir, não paramos de falar, super animadas que estamos pelo reencontro e pela perspectiva da aventura que nos aguarda. Lili, mais comedida, entabula papo com uma moça, sentada ao seu lado. Que já vai se identificando de cara: é médica, paulista, atendendo pelo nome de Bárbara. Após uma hora de viagem, pit stop no Bob, restaurante de beira de estrada. As atrações gastronômicas são o pão de queijo e a paçoca (carne de sol socada com farinha). Ambos os petiscos, recém feitos, estão quentinhos, deliciosos. Após uma hora rodando na péssima rodovia brasileira, mal conservada a beça, cheia de buracos, inclusive, com alguns trechos já desencapados, ingressamos na rodovia venezuelana, muito bem conservada, graças ao asfalto de boa qualidade embora tenha sido construída em 1984, ao contrário da nossa que data de 1996. Controlada pela Guarda Nacional, composta de jovens soldados de metralhadora em punho, ingresso num país que me remete àquela época dos anos de chumbo brasileiros. Meu país no tuve mucho sol, durante duas décadas, percebes? Apesar do forte aparato militar, os trâmites burocráticos nessa fronteira transcorrem tranqüilos e rápidos. Em 20 minutos, estamos em Santa Elena de Uairén onde trocamos de veículo. Decorrida uma hora e meia de viagem, a maioria em estrada de chão batido, eis-me, finalmente, chegando na comunidade indígena Paraitepuy, cujo significado na língua taurepang é, literalmente, chinelo da montanha, já que se localiza aos pés de diversos tepuys espalhados na área de 30.000 km² do Parque Canaima, considerado o 6º maior do planeta. Tão extenso esse parque que não se limita apenas à fronteira brasileira, sendo lindeiro, igualmente, da Guiana Britânica. Dessa comunidade partem os treks ao Monte Roraima, localizado no setor oriental do parque. Mais soldados armados até os dentes. São eles e não os funcionários do Inparques quem farão a revista nas mochilas. Buscam, pra apreender, bebidas alcoólicas já que foi decretada lei seca durante o período de carnaval. Deixamos Paraytepuy às 13 e 30, percorrendo uma estradinha onde vez por outra passam zunindo índios conduzindo bicis. Coisa estranha, não estou sentindo nessa pernada aquela vibração que costumo sentir a cada trek que faço. Falta um certo entusiasmo que, sei lá por quê, aqui não bateu ainda. E, espantando tais reflexões, trato de apurar o passo já que a distância de hoje será uma das mais longas dos 7 dias de pernada: 15 km. Como a altitude em Paraytepuy é de 1.400 m e a do acampamento Tek é de 1.100 m, a caminhada faz-se praticamente descendo os campos de savana. Enfeitados por colinas suavemente arredondadas, lembram um pouco o pampa gaúcho com aqueles coxilhões a perder de vista. E quando avisto o tepuy Matawi, mais conhecido como Kukenan, o gigantesco platô remete-me ao Castelo, outra formidável formação rochosa, encravada nos confins dos Gerais do Vieira, Chapada Diamantina. Familiar a paisagem. Talvez por isso a ausência daquela vibração sentida em outras expedições, essas sim, repletas de paisagens inéditas aos meus olhos ávidos de novidades. E, de repente, um arco-íris debruça-se sobre o céu, estendendo sua fita multicolorida do Kukenan ao Roraima. E permanece na atmosfera, saudando os viajantes, por um bom tempo. Situados um em frente ao outro, os colossais paredões das duas montanhas exibem aquela coloração rosada peculiar às rochas sedimentares. Visível, no Kukenan, apesar de ainda distante, a espetacular cachu de 610 m que despenca do alto de seu topo. Esse tepuy, menor e menos alto que o Roraima, tem 20,63 km² de área e 2.650 m de altitude. Chego às 17 e 15 ao acampamento Tek, encravado às margens do rio de mesmo nome. O lugar pertence à tribo Pemon que ali vive, alojada em meia dúzia de casas de adobe cujo teto é coberto de palha. O dia ensolarado e quente é um convite a um banho de rio. E já está decidido: será meu primeiro e único banho durante o trek. Sigo à risca a salutar máxima “quem gosta de frio é pinguim”. Daqui pra frente, devido ao ganho de altitude, a temperatura da água dos rios passará de fria a geladésima. Assim, hábitos fanáticos de higiene pessoal devem ser evitados e cumpridos com muita, mas muita moderação. A água, límpida, está muito gostosa. Tanto é verdade que nem emito aqueles gritinhos estridentes de quando entro em temperaturas menos tépidas. Não demoro muito no banho, todavia, devido àqueles mosquitinhos que parecem uma pulguinha e cuja picada comicha pra caramba, causando feridinhas purulentas nas pernas. No sul do Brasil, os danados são conhecidos como “polvinha”. Após a janta, macarrão à bolonhesa, não resisto ao cansaço duma noite sem dormir, muito embora o conversê esteja bem animado, e dirijo-me à barraca sob um céu estrelado. Ebaaa, o tempo vai dar bom amanhã!!

2 comentários:

Unknown disse...

Amiga,
sua narração me fez viajar de volta ao Monte RR. Obrigada e parabéns!

Anônimo disse...

Bea,

muito obrigada pelo lindo presente. Sao recordaçoes que ficaram agora - com o seu blog - acessiveis e mais presentes. E as fotos sao lindas!
Brigitte