sábado, 8 de fevereiro de 2020

Trek no PN Peneda-Gerês

O meu super guia Rui me leva de carro até a freguesia de Campo do Gerês, com 300 habitantes e distante apenas 45 km de Braga. Ali me hospedo na Pousada da Juventude Vilarinho das Furnas, já que a vila está compreendida nos limites do Parque Nacional Peneda-Gerês onde farei 2 trilhas. Situado ao norte de Portugal, é o único parque nacional do país, fronteiriço à Galícia. Com área de 70 mil hectares, é formado pelas Serras da Peneda, do Soajo, Amarela e do Gerês e considerado Reserva Mundial da Biosfera pela UNESCO. Seu relevo acidentado, entremeando colinas e vales, cortadas por rios e córregos, exibe flora variada, escasseando no topo das serras devido ao clima e à ação do homem. Na fauna, destacam-se exemplares de veados, lobos ibéricos e águias-reais. Ainda guarda marcos de pedra, sinalizando a existência de antiga estrada romana – geira - que ligava Braga a Astorga, na Espanha. Rui me pega no albergue que, diga-se de passagem, é bem confortável, localizado em amplo jardim pontilhado por coníferas. Nos dois dias de caminhada, explica Rui, andaremos somente em trilhas na Serra do Gerês. Hoje, a pernada será em velhos caminhos de pastoreio entre a Portela de Leonte e a vila de Caldas do Gerês, resume Rui. Vamos, então, de carro até a antiga casa florestal Portela de Leonte. Ali, às 9 de la matina, temperatura beirando 12º C, tem início a caminhada sob um céu densamente acinzentado, salvo curtos momentos em que se vislumbram pequenos trechos azulados. Trotando, inicialmente, num terreno calçado de pedras, atravessa-se um trecho da mata de Albergaria numa subida constante. Rui aponta alguns exemplares da flora, discorrendo sobre suas características. Conheço ao vivo e a cores, por fim, arbustos e árvores que até então só habitavam minha imaginação da leitura de livros, como o azevinho, arbusto largamente utilizado na decoração natalina em razão de seus frutinhos vermelhos e folhas dum verde escuro. Atualmente, seu uso é proibido. Mais adiante, sou apresentada ao teixo, cujo bosque é chamado teixeira. Árvore de lento crescimento e idade vetusta, pode bem alcançar 300 anos de idade. Os esquálidos carvalhos, despidos de folhas, parecem figuras espectrais no meio da mata. Dentre as raras flores, destaca-se o delicado miosótis. Quando chegamos ao topo do morro, descortina-se lá embaixo o vale da Teixeira, belíssimo anfiteatro rochoso, embora o nevoeiro impeça a visualização de vários picos ao seu redor, nesta região chamados Pés. Começamos a descida, percorrendo um terreno coberto por largas lajes até o Curral do Junco. Mais adiante, num prado, destaca-se antiga construção de pedras, chamada forno pastoril, antiga moradia dos pastores durante a viseira, o deslocamento do gado em busca de pastagens entre a primavera e outono. Ao lado, cavalos selvagens pastam indiferentes à nossa passagem. Bem fraturadas, as rochas que circundam o vale, mostram coloração esbranquiçada já que despidas de pouca ou nenhuma vegetação. Pequenos pilares de pedra sobrepostas umas às outras, apelidadas mariolas, no linguajar local, indicam o rumo da trilha ao longo do Prado de Teixeira. Um córrego de águas limpas segue seu curso em direção ao fundo do vale. Enquanto comemos nosso lanche, abrigados num telheiro de pastores, escuto singular estória narrada por Rui. Nesta região do norte de Portugal, inicia ele, as gentes dos campos, despidas de delicadezas devido à rudeza das lides campesinas, contratavam um homem pra abreviar a vida de familiares moribundos. Não se sabe com exatidão a data em que parou de existir tal personagem, se no início ou metade do século XX, prossegue Rui. Dou asas à imaginação, concebendo-o como um tipo atarracado, bem parrudo, haja vista que o método de morte empregado, asfixia, exige força. Não à-toa, a sutil alcunha “abafador”. À semelhança dum padre, conversava com o moribundo, caso este se encontrasse consciente (Rui não soube precisar se para tranquilizá-lo ou abençoá-lo), abafando-o a seguir com 1 travesseiro, finaliza meu guia. Ala putcha, que relato fascinante esse, de uma “eutanásia” à moda do Minho!! Com a estória circulando na minha cabeça, enfrento, com redobrado ânimo, curta subida, atravessando outro belo bosque cujo chão está coberto de folhas secas de pinheiros. Segue-se então o traçado da Grande Rota da Peneda-Gerês, descendo ao vale onde se encontra a vila de Caldas do Gerês, mimoso balneário termal onde encerramos nosso trek de modestos 11 km. 
Dia seguinte, no meu 2º dia de trek, vou conhecer as Minas de Carris. A caminhada inicia às 8:30 na Portela do Homem onde Rui estaciona seu carro. Caminhamos breve trecho no asfalto até a ponte sobre o rio Homem, donde inicia, paralela ao seu curso, antiga estrada de chão batido em que, até a década de 70, trafegavam veículos indo e vindo das minas. Com dezenas de corredeiras em seu leito de águas claras, desaguam no rio os córregos Ribeira do Mudorno e Cagarouço e outros de menor expressão formando pequenas cascatinhas à direita da estrada. Largas extensões de lajes afloram à margem esquerda do rio. O dia exibe-se tão acinzentado quanto ontem, pairando uma neblina sobre o vale. Embora não haja grandes subidas, o chão, coberto de pedrinhas, torna cansativa a pernada. Ao longo da via, pequenas bicas de água potável são alimentadas por riachos que escorrem do alto da serra. Árvores e pedras cobertas de musgo denunciam o alto teor de umidade na região. Após 5 km, destaca-se, no paredão rochoso, na margem direita do rio, os 70 metros da Água da Laje do Sino. Antigamente no Gerês, água ou fexa significava cachoeira. Se o caminho até então era exigente face à irregularidade do terreno pedregoso, pior se torna a partir do momento em que a trilha se estreita. O solo não mais coberto por pedregulhos, agora reveste-seininterruptamente de pedras de bom tamanho. Dura pouco, entretanto, tal martírio, porque 0 final do vale do rio Homem já se aproxima. Ao lado da estrada, despontam delicadas flores cor de rosa. Escorre por pequena ribanceira o córrego Águas Chocas, assim chamado porque no auge do inverno o solo congela. A estradinha torna-se agora larga e plana. A paisagem de colinas arredondadas revela horizontes não mais confinados pelas altas barrancas do rio Homem. A partir de Abrótegas, o vale dá lugar a prados embelezados por elevações de puro granito. Rui ao apontar um solitário forno pastoril, esclarece que estou diante dum autêntico exemplar, enquanto os de ontem são construções mais recentes e, portanto, menos rudimentares. O autêntico, bem menor, tem uma porta super baixa, a fim de impedir o acesso de animais ao seu interior. Conforme nos aproximamos das Minas de Carris, a garoa fica confinada no vale, o céu desanuvia e grandes claros de azuis competem com nuvens cinza-claro. Decorridos 11 km, começo a avistar dezenas de esqueletos de edifícios: são as Minas de Carris localizadas a uma altitude de 1.440 metros. O conjunto mineiro passou por três fases de exploração: a 1ª ocorreu durante a II Guerra Mundial, liderada por uma empresa portuguesa que servia de fachada a concessionários de origem alemã; a 2ª correspondeu aos 3 anos que durou a Guerra da Coreia, nos idos de 1950 e a 3ª e última fase foi durante a década de 1970. A lucrativa exploração de tungstênio contava com cerca de 400 pessoas vivendo e trabalhando nas minas, população esta superior a de diversas vilas das redondezas! Atualmente do pujante complexo mineiro restam escombros à semelhança duma cidade fantasma. O local, um verdadeiro mar de granito, é moradia do ponto mais alto da Serra do Gerês, o pico da Nevosa (1.545 metros), e o segundo mais elevado de Portugal. A leste, no vale, Pitões da Júnia, com 160 habitantes!! Pena que não há tempo pra visitá-la. Chegamos à barragem, construída pra fornecer água à antiga cidadela mineira, hoje um lago onde se pode banhar no verão. Um grupo de portugueses, vindos de Pitões da Júnia, ali se encontra e pretende passar a noite acampado. Às 16:50 estamos de volta ao ponto de partida. Embora cansativa, afinal foram 22 km, a pernada foi ótima. Adorei conhecer mais um pouco deste parque nacional com recantos tão inusitados. Dia seguinte, domingo, volto de trem a Lisboa. Super resfriada, com uma baita sinusite, aplico o velho e bom Vick Vaporub pra desentupir as narinas. Saio à rua me arrastando porque preciso me alimentar. É foda estar sem energia pra bater perna pela adorável capital portuguesa. Na segunda, um pouco melhor, consigo dar um pequeno rolê pelas estreitas e sinuosas ruas onde os elétricos se sacodem ruidosos. Marca registrada de Lisboa, roupas secam penduradas nas sacadas. Na mala, já acomodei alguns queijinhos, 4 latinhas de patês de sardinha e uma caixeta de ovos moles de Aveiro comprados durante meu bate-pernas. Uma forma de prolongar Portugal depois do regresso a casa.....adeuzinho!

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2020

Norte de Portugal Revisitado

Num voo de uma hora, vindo de Madri, chego ao aeroporto do Porto, preferindo ônibus ao metrô até o local onde me hospedarei já que o trem exige baldeação. O estúdio por mim reservado é bem legal, localizado na rua das Fontainhas, a dois passos do rio Douro e da Ribeira e a 2 km da Estação São Bento. Fontainhas significa, no delicioso linguajar do português de Portugal, fonte pequena. Bueno, o estúdio ou suíte além de fogão elétrico, geladeira e louça oferece máquina de lavar roupa, o que vem a calhar porque certas roupas minhas necessitam duma boa lavagem! Tais irmãs siamesas, separadas por um curso d'água, chamado Douro, assim são Porto e Vila Nova de Gaia. Como a corda e a caçamba não dá pra visitar uma sem conhecer a outra. Conheci ambas em 2006 quando visitei o norte do país com minha mãe. Retorno, agora, não exatamente pra rever as cidades mas pra reencontrar um casal de Caxias do Sul, que conheci de vários pedais feitos naquela região serrana. Aproveito a curta estadia em Porto - não mais que um dia e meio - pra já na tarde de minha chegada dar um rolê pelo seu centro histórico e comer apetitosas castanhas assadas vendidas por ambulantes nas calçadas enquanto admiro a obra prima do séc. XVIII, que é o exterior todo azulejado da Capela das Almas de Santa Catarina. Encerro a noite, jantando filetes de robalinho grelhados, no Majestic Café, uma joia do estilo arquitetônico art nouveau. No dia seguinte, saio a bater perna na Ribeira curtindo as várias pontes sobre o rio Douro que unem Porto a Vila Nova de Gaia e vice-versa. Dentre as 6 pontes, destaca-se a portentosa estrutura metálica em dois passadiços da Ponte Dom Luiz I, construída no século XIX. As escunas turísticas quando não dão o ar da graça singrando o Douro, quedam atracadas às margens do rio aguardando nova leva de turistas. Cruzo a ponte Dom Luiz I pelo passadiço inferior e chego à Vila Nova de Gaia donde se tem uma visão incrível da Ribeira do Porto, suas casinholas coloridas de 2 e 3 pavimentos e as torres da Sé do Porto. Subo após o almoço até a colina onde foi construído o Mosteiro da Serra do Pilar. Na praça em frente ao prédio, dezenas de pessoas curtem o radiante sol da tarde. Clima perfeito embora estejamos em pleno inverno europeu! Retorno ao Porto pelo passadiço superior da ponte Dom Luiz I, apreciando, creio eu, o único vestígio da antiga muralha que protegia a cidade. À noite, a convite de Maria Leonor e Ricardo, vou jantar na residência do casal, pertinho da foz do Douro. Já noitinha, com a iluminada ponte de Arrábida a frente, eu e Maria Leonor nos encontramos no meio do caminho. Os fortes abraços trocados demonstram nossa alegria pelo reencontro. Um gostoso bacalhau preparado pelo anfitrião é o prato principal acompanhado de bons tintos portugueses, pois pois. Ricardo está cursando pós-doutorado em Porto e adorando morar neste cantão português, Por ele fica pra sempre aqui, ao passo que Maria Leonor, no início, sentiu maior dificuldade em se adaptar já que veio acompanhar o marido. Mas como boa gringa da serra gaúcha, soube fazer do limão uma limonada. E dale a frequentar cursos que, por falta de tempo quando estava no Brasil, não se permitia fazer. A janta transcorre agradavelmente, num bate papo animadíssimo porém a boa comida e os vinhos fazem seu efeito. Assim, despeço-me dos anfitriões, não só de pancinha cheia mas com o coração aquecido pela calorosa acolhida dos queridos amigos. Dia seguinte, pego o comboio pra Braga em São Bento, a linda estação de trens cujo átrio é decorado em ladrilhos azuis e brancos com narrativas de cenas da vida portuguesa de antigamente. A viagem demora cerca de 1 hora, parando em diversas estações, algumas decoradas com os famosos azulejos portugueses. Rui Barbosa está a minha espera na gare de trens. Conheci-o, quando ele estava a trabalhar como optometrista em Bissau, assim que cheguei ao país africano em dezembro. Decidiu trocar aquela profissão por outra que mais lhe apraz: a de guia turístico. Não por outro motivo estou em Braga: pra fazer trekking no Parque Nacional Peneda-Gerês, que Rui conhece profundamente. Como ele precisa cumprir certos compromissos, após o almoço fico sozinha e não perco tempo em dar um rolê pela cidade. Rolê bem diferente daquele de 14 anos atrás mas igualmente prazeroso. Embora a cidade esteja a 50 km do Atlântico ainda se vêem gaivotas voando aqui e acolá. Fotografo a traseira do antigo palácio, agora museu dos Biscainhos, e atravesso a Porta do Arco Novo, resíduo da antiga muralha que cercava a então medieval Braga. Entro na Sé da cidade e me deleito com seu coro onde está instalado um magnífico órgão. No pátio da catedral, há vestígios de máscaras esculpidas em pedra, segundo o guia da catedral, possivelmente de origem celta. Numa mercearia, onde entro para comprar água, me encanto com réstias de tomates bem vermelhinhos. Continuo o passeio ao longo da rua principal passando pelo Largo do Paço. Mais adiante sou surpreendida ao escutar dois brasileiros, há anos em Portugal, tocando Galos, Noites e Quintais do inesquecível Belchior. Como ainda me sobra tempo até o encontro com Rui, continuo o tour passando por uma avenida cujos canteiros são decorados com couves ornamentais!! Na praça de Almeida Garrett, sobressai, entre dois prédios a frontaria da Igreja dos Congregados. Num largo, entre duas ruas, se impõe a solitária Igreja da Senhora-A-Branca. A super católica Porto, é assim: seja numa dobra de esquina, no meio ou fundo de ruas, as indefectíveis igrejas aguardam tanto os culpados quanto os inocentes fiéis. Quando os ponteiros dos relógios encostam nas 18 horas, parto de Braga ao som dum heavy metal pra lá de cristão: o bimbalhar dos sinos das igrejas bracarenses. 

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2020

As cidades medievais de Segovia e Toledo

Após um mês flanando por Marrakech, Gran Canaria e Santiago de Cabo Verde, retorno a Bissau, já que Raul tem de pegar no batente. Permaneço mais 10 dias na cidade frequentando religiosamente, salvo um fim de semana em Bubaque, o bar Lounge N’Batonha ao entardecer. Ali sempre aparece gente dos 4 cantos do globo, particularmente europeus, o que acho ótimo pois embora meu inglês seja meio trôpego, consigo trocar uma ou outra idéia com eles. Porém o que me leva mesmo ao bar é desfrutar a companhia de meu filho, gerente do estabelecimento. O primeiro impacto, ano passado, quando aqui estive pela primeira vez, foi negativo, considerando que Bissau não é nem bonita tampouco limpa. Contudo, se ultrapassarmos o aspecto meramente estético, oriundo por óbvio, duma impressão objetiva contra a qual não se pode refutar, percebemos quão atraente é a cidade. Ao libertar do convencionalismo meu olhar limitado por padrões de beleza ocidental, passei a ver Bissau com outros olhos e compreender que o belo está no detalhe do alfaiate pedalando sua máquina de costura instalada sob uma marquise da rua principal. O belo está, principalmente, no povo tão gentil, alegre e curioso, ainda mais quando percebe que você é brasileiro. O belo, ainda, é escutar, quando passo pelas esquinas, as vendedoras de frutas, entoando melodiosamente "banana, banana", sentadas nas calçadas embaixo dum sol inclemente. O belo é o engenhoso pedinchar do moleque ao dizer "ofereça-me 500 francos, tenho fome". O belo é também ouvir os guineenses falando vários idiomas conforme a etnia a que pertencem. E são tantas! Quão bela, sem sombra de dúvida, é a paradisíaca ilha de Bubaque. O belo é passear por Bissau Velha e ver nos decadentes prédios o fim duma era que, felizmente, acabou: o jugo português. O belo, graças a deus, é saber que o brasileiro tem no povo africano uma das matrizes de sua cultura. O belo, por fim, é repelir a “realidade” introjetada pelos critérios subjetivos oriundos dos preconceitos e aceitá-la tal qual é. E pensar que há 2 anos atrás a África nem fazia parte da minha lista de desejos! Refletindo sobre tais assuntos parto de Bissau rumo a Madri onde em Barajas Michele está me esperando. Dos 6 dias em Madri, reservo solamente 2 pra curtir a cidade. Afinal, ano passado dei um rolê legal pelos seus principais atrativos. Por isso, na sexta revisito o templo de tapas, que é o Mercado de San Miguel, e, no sábado, Michele me leva a um autêntico boteco madrilenho, chamado Bodeguilla, perto do antigo estádio Santiago Bernabeu. Pequeno, tem poucas banquetas rente ao balcão e mesas na rua. E, como não poderia faltar, uma enorme tv de tela plana sintonizada num canal de futebol. Costume na Espanha o cliente ter direito a cada copo de bebida alcoólica um pincho, assim chamados os tira-gostos. O simpático dono nos serve torresmos, mini bocadillos e salgadinho de pacote pra acompanhar nossas taças de vinho. Nos 2 últimos dias, vamos eu e Michele visitar duas cidades históricas perto de Madri: Sevilha e Toledo, ambas consideradas patrimônios da humanidade pela UNESCO. O clima tem sido generoso e no ensolarado domingo, antes de pegarmos o bus no terminal rodoviário localizado na estação de metrô Moncloa, compro castanhas assadas muito comuns nesta época do ano. O trajeto de 90 km dura 1 hora dentro do confortável ônibus com wifi. Segovia tem como principal atrativo um dos monumentos antigos mais importantes e bem preservados na Península Ibérica: o aqueduto construído com pedras de granito sem utilização de argamassa pelos romanos, remontando ao século I DC. Sua finalidade era a condução ao longo de 15 km das águas do manancial de Fuenfria, na Serra de Guadarrama, a Segovia, cujo abastecimento durou até meados do século XIX. Caminhando pela avenida do Aqueduto ladeada em ambos os lados por restaurantes com mesas ao ar livre, a espetacular obra de engenharia hidráulica vai aumentando de tamanho à medida que dela me aproximo, revelando no final da artéria a grandiosidade de sua construção. Ao contrário do aqueduto, pouco restou em Segovia das muralhas que as cidades medievais costumavam construir a fim de se proteger. Por uma escadaria, sobe-se até o topo do aqueduto onde é possível mirar os picos nevados das serras circundantes. Passeando por sua parte antiga, situada numa pequena colina, onde se encontram vários prédios históricos, passamos diante da Casa de Los Picos, construída no século XV. O curioso edifício tem suas paredes externas decoradas em pontas de diamante com finalidade tanto decorativa quanto defensiva. Tortuosas e estreitas ruas levam à Catedral de Santa Maria, elegante prédio em estilo gótico, fronteiriça à plaza Mayor, outro ponto de grande concentração de restaurantes, bares e cafeterias. Nas ruas, músicos se exibem para entretenimento da turistada. Aliás, o fluxo de turistas vagueando pela cidade é intenso. Difícil tirar uma foto sem alguém diante dum prédio ou caminhando pelas calçadas das ruelas. Continuando nossa peregrinação, vamos dar no Alcázar de Segovia, palácio fortificado que serviu de moradia a diversas gerações da realeza espanhola. Dali se tem ampla visão dos arredores de Segovia. As muralhas do enorme prédio são revestidas com a decoração chamada esgrafiado, que vem a ser, simplificadamente, um tipo de alto relevo. A culinária típica servida na cidade é porco (cochinillo) e cordeiro, assados em forno à lenha. Escolhi comer o primeiro e me foi servida uma baita perna, um tanto quanto gordurosa, acompanhada por batatas. Enquanto Segovia fica ao norte de Madri, Toledo está ao sul, a 75 km. Acompanhada por Michele, pra lá vamos dia seguinte. Adoro cidades medievais, suas estreitas e escuras ruas que desembocam em pequenos largos ensolarados. Seus castelos fortificados cujas altas e grossas paredes impõem admiração reverencial. O ambiente austero que envolve a medievalidade me atrai muito. Toledo não foge à regra, é muito mais rica que Segovia, sem sombra de dúvida. A antiga cidade, cercada por muralhas intactas, localiza-se no topo duma colina, à beira do rio mais extenso da Península Ibérica, o Tejo, aquele mesmo que banha Lisboa. Toledo guarda mais de dois mil anos de história: já foi ocupada por romanos, visigodos, mouros e, por fim, em definitivo, por cristãos quando da Reconquista da Península Ibérica. A cidade ganhou fama de ser a “cidade das três culturas” porque à época conviveram ali cristãos, judeus e muçulmanos em harmonia por muito tempo. Prova disso é a existência de templos católicos, sinagogas e mesquitas espalhada pelas ruelas e becos. A marcante Toledo foi não só o lar escolhido pelo pintor El Greco, como ainda fascinava o autor de Dom Quixote, Cervantes, por seu cosmopolitismo. Em homenagem ao célebre escritor, há uma estátua sua perto do Arco de Sangre, exibindo algumas lojas diante de seus estabelecimentos réplicas em tamanho natural de Dom Quixote e seu fiel escudeiro, Sancho Pança. O passado medieval está sempre presente, caso das lojas que vendem armaduras, espadas e facas pois Toledo é famosa por este tipo de indústria desde o século I DC. O Alcázar de Toledo, castelo fortificado que serviu de residência aos reis de Espanha, queda, estrategicamente, sobranceiro ao rio Tejo. Só me resta vê-lo do lado de fora porque justo neste dia está fechado à visitação. Do outro lado do Tejo, chama a atenção o enorme prédio da Academia de Infantaria, centro de formação militar do Exército espanhol. No sobe e desce ladeiras, paramos num restaurante e provo carcamusas, prato típico toledano, feito com pedaços de carne de porco, presunto e linguiça, mergulhados em molho de tomate, acompanhado de batatas fritas. Delicioso pero um pouco pesado! Passeio na ponte San Martin, erguida sobre o Tejo, em cujas extremidades há dois grandes portões de pedra. Uma viagem no tempo passear pelos becos e vielas e, numa dobra de esquina, me deparar com a passagem aérea, feita de madeira entalhada, ligando os dois prédios do Real Colégio de Doncellas, construído no séc. XVI, que visava a educação de jovens pobres. Quando deixamos a cidade histórica pela porta de Cambrón ao entardecer, a lua crescente brilha no céu azul. Durante a caminhada até a rodoviária, vou admirando as grossas muralhas que cercam a cidade fortificada. A última visão que tenho daquela Toledo dantanho é a da Porta Nova de Bisagra, uma das 4 por onde se entra e sai da cidadela. Lastimo a maneira vapt vupt de visitar esta jóia medieval, ela merecia mais tempo pra ser melhor apreciada. Mesmo assim, saio contente porque tive a oportunidade de conhecer mais um pouco desta época da história, a fascinante Idade Média.