Troco a badalação de um revéillon em Angra pelo de Praia Grande. No meu repertório atual de prazeres, só quero sossego, como diz o Tim Maia naquela canção. Assim sendo, comunico ao meu filho e nora que não festejarei o Ano Novo com eles. Graças a deus, não me parecem muito abalados, o que me deixa sinceramente aliviada. Embora tenha sido aprovada no exame de direção (sim, sim, só agora com 56 aninhos, tomei coragem e resolvi aprender a dirigir), ainda não recebi a carteira de habilitação, motivo por que tenho de encarar o busão. Pego o das 17 horas pra Torres e quando chego à Vila São João, seu Deonir já está lá me esperando. Conversamos animadamente durante o trajeto de 40 km. Dessa vez a pousada não se encontra deserta. Há outros hóspedes, Iara e Rocha. Ela é mãe do Gabriel, casado com Camile, com quem fiz o rapel da Pedra Branca em maio. Os meus jovens amigos chegam amanhã, explica Iara, dona de belos olhos castanho-esverdeados, natural de Carazinho. Rocha, ao contrário da maioria dos médicos, não se nega a dar consultas informais. Pessoas agradáveis, sem frescuras, gosto deles de cara. À janta, Mariazinha preparara uma carne que se desfia na boca. Está divinamente boa! Depois que eles se retiram, eu vôo até a cozinha: não durmo sem trocar um dedo de prosa com Mariazinha. Se não faço isso, a loira é bem capaz de pôr vidro moído no meu café da manhã. Quarta-feira, véspera do novo ano, Kaloca me pega na pousada lá pelas 10 horas e nos tocamos na sua “possante” pela estrada que conduz à Roça da Estância. O plano é rapelar uma pequena ravina e suas cinco cascatas, arrematando o passeio com um salto no rio Mampituba. Tão bom sair voando as tranças na garupa da moto, adoro isso! Transcorridos 45 minutos, chegamos no local de onde iniciaremos a aventura. Sem caminhada de aproximação já que a ravina se situa à beira da estrada, rapelamos um barranquinho e, 10 metros adiante, já se vê a primeira cachoeira. A pequena queda d’água mede apenas 8 metros. Mais fácil impossível. A caminhada até a próxima cascata, uma rampa suave, é curtinha também. A rigor, prescindiria de corda, mas Kaloca, deveras cuidadoso com a segurança de seus clientes, inicia os procedimentos de rapel. Qualquer criança a venceria sem maiores dificuldades. Mais uma breve caminhada pelo leito do rio, quase sem água, até a terceira cascata. Esta, com 12 metros, é uma canaleta com uma grutinha em sua base. Nuvens toldam o céu vez por outra. Caminhamos um pouco mais, e eis a piéce de resistance: a quarta cachoeira com 35 metros. Contudo, é moleza descê-la. Filmo a mata ao redor da pequena e estreita ravina enquanto espero que Kaloca termine de puxar a corda que amarrara no tronco duma árvore. Esses murmúrios da floresta são deliciosos. Sinto-me tão radiante no meio dessa exuberante natureza! Por fim, alcançamos a quinta queda d’água, um paredãozinho de 10 metros, que não proporciona adrenalina alguma ao rapelá-lo. Kaloca esclarece que esta via é perfeita pra iniciantes devido ao seu grau de baixa dificuldade. Pra minha alegria, já vislumbro a Pedra Branca; ao seu lado, a montanha com formato de chapéu de bispo. Adoro esse visual! Embaixo o rio Mampituba revela um leito raso. Pulamos de uma pedra cuja altura beira 5 metros. A água está geladinha, arrepios percorrem minha pele...que gostosura! Nado até a margem. Lá, sentados em uma pedra, comemos nossos lanches: sanduíches feitos com carne assada bem desfiadinha: sobras do jantar de ontem. O tempo, infelizmente, está mudando, nuvens densas prenunciam chuva, o que de fato acontece durante o nosso retorno. Os pingos machucam meu rosto, mas eu tou nem aí, feliz demais com a pequena aventura, agarrada à cintura de Kaloca. Já na pousada, alongo, tomo banho e coloco um vestido verde com sandálias prateadas - afinal, é véspera de ano novo - e vou pro refeitório. Camile e Gabriel já se encontram lá. Vieram de Ibiraquera onde passaram o Natal. Há mais dois casais, o Álvaro e a Stela, donos do bar Insano, e a Isabel e o Marcio, ela jornalista, ele publicitário. Quase na hora da ceia, servida às 22 horas, chega uma família, igualmente gaúcha: pai, mãe e filha. Sem contar com Emerson e Elenice, curitibanos, proprietários dum sítio ao lado da pousada. Nossa janta transcorre num alegre conversê. A tradição exige que, quando badale a meia-noite, nos desloquemos até a colina pra ver os fogos que espocam pela redondeza. Espumantes são servidos, abraços, beijos e desejos de “tudo de bom em 2009” são repetidos entre nós. Se foi rapidinho o ano, e o novo mal aponta o nariz! Pra festejarmos o primeiro dia de 2009, combinamos, eu, Camile e Gabriel, fazer o rapel do Café. O encontro é na casa de Kaloca onde um grupo de cariocas também irá participar do programa. São marinheiros de primeira viagem, nunca praticaram esse esporte. O tempo nublado ameaça chuva, nós, contudo, despreocupados, nos tocamos estrada afora. Dessa feita, vamos rapelar apenas as últimas cinco cachoeiras porque é muita gente pra fazer as 12. Alcançada a primeira cachoeira, todos vestem suas roupas de neoprene e colocam as cadeirinhas enquanto Flavio, o outro guia, dá instruções aos novatos. Sou escolhida pra ser a primeira a descer devido a minha “experiência”, essa é boa......hahahaha. Um pouco nervosa pela responsabilidade, rapelo, porém, sem maiores dificuldades enquanto lá embaixo Flavio faz a segurança. Quase uma hora se passa até que a última pessoa chegue ao poço (meio sacal essa espera!). A queda d’água é muito tri, linda demais! A segunda cachoeira, um rampão, não apresenta dificuldade alguma e todos descem rapidamente por ela. Já a terceira, a malsinada Sinistra, é meu tormento. Foi aqui que pendulei e dei com os costados no lajedo há quase dois anos atrás. Tá bem cheia e desço bem devagarinho até o poço onde Flavio nos aguarda pra prender a corda no oito e, assim, iniciarmos a rapelagem da quarta queda. Lá embaixo, já se encontra Camile que desceu primeiro. Logo, Gabriel junta-se a nós. Uma chuva miúda começa a cair. Pra nossa sorte, a reentrância duma enorme rocha serve de abrigo, e lá nos protegemos enquanto aguardamos a descida do restante do grupo. E a chuva de fininha começa a engrossar. As águas do rio, até então límpidas, tornam-se turvas e volumosas rapidamente. Eu fico apreensiva com os cariocas. Dureza, encarar a Sinistra, com 37 metros, e a seguinte, com 15, nesse caudal! Um batismo e tanto o deles! A chuva, impiedosa, não dá tréguas. E, ainda, falta uma! Os dois guias decidem, então, fazer a ancoragem da última cachoeira em uma árvore, evitando rapelar por dentro d' água. Assim, nos tiram pelo lado, um paredão seco cheio de raízes e arbustos. Sãos e salvos, caminhamos uns 50 minutos até o café do Valmor onde os cariocas se deixam ficar. Irão provar os deliciosos quitutes feitos pela dona. Já nós optamos por voltar à pousada. E lá vamos os três comentando sobre o “ perigo” recém enfrentado.....eita vida boa!
Um comentário:
Olá Bia! Sou Fabiano um dos cariocas que estavam neste passeio. Fiz o trajeto de ida um pouco mais a frente, conversando com voces). Estava aqui organizando as fotos desta viagem e acabei encontrando este blog numa busca, por acaso. Este Rapel foi inesquecível!! Um grande abraço! Meu email é neurose2001@yahoo.com.br
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