Feriadão de Finados me chama. Pra onde? Praia Grande, ora! Quer melhor lugar pra prantear meus mortos? Lá posso fazer o que mais gosto: canionismo! Afinal, tenho de curtir o que ainda me resta de vida - tão curta ela, né? Tal qual um piscar de olhos ou um estalar de dedos, antes de dar com a cola na cerca, como dizia gauderiamente o meu querido pai (e tu tá bem aí, velhinho?). E lá vou eu na sexta bem cedinho, tipo 7 da matina, rumo à cidade dos infindáveis peraus. Ponho de cara no cd player do carro, um Led Zeppelin pra espantar qualquer vestígio de sono que ainda paire sobre este corpitcho. E como estou ainda na free way, tasco o pé no acelerador até a velocidade permitida de 110 km/h. Sinto-me muito à vontade na estrada, ao contrário da cidade com motoristas estressados e mal-educados. Depois da minha paradinha prum cafezinho no km 1 da Estrada do Mar, ponho The Clash pra rodar. Hoje estou rock and roll. Janela aberta, deixo entrar o arzinho gelado da manhã. Uma neblina faz com que eu acenda o farol. Melhor prevenir que remediar, não é mesmo? Já com fome e perto da tenda do Veio, paro mais uma vez. Belisco o que me oferecem: um pedaço de suculento abacaxi, um naco de queijo e meia bolacha. Arremato com uma taça de café com leite. Agora sim, posso fumar um cigarrinho enquanto ponho Bo Diddley pro que me resta de estrada. Um bom blues sulista do Mississipi cai bem, hein? Dou a minha habitual paradinha na cabana de Kaloca pra acertarmos a hora de partida pra Morrinhos do Sul antes de ir pra Colina da Serra. Em lá chegando, entro na cozinha e pra minha surpresa a encontro vazia. “Mariazinha, Mariazinha, cadê tu, sua gringola safada?” E a danada da loira me faz pular assustada, saindo de mansinho, escondida que está atrás da porta. Quarenta e oito anos nos costados e age tal qual criança. Tsk, tsk, tsk....eta, mulherzinha bem abusada!! Beijocas e mais beijocas. A saudade é muita. Pois não é que faz três semanas que aqui não venho? Um ranguinho maneiro me é servido de almoço: carne de porco, arroz, feijão, uma farinha amarela, espertésima, um troço de louco de boa, que Maria trouxera da Bahia, e salada. Pauleca, com sua simpatia contagiante lasca carinhoso “Bia Seidl, tu de volta”. E eles me contam de suas aventuras em terras baianas, onde foram visitar seu filho que mora em Camamu. Mariazinha até ganhou um bronze em sua pele leitosa. Às 14, depois duma breve soneca, estirada no sofá do refeitório, pego o carro e passo pra pegar Kaloca e Rejane. Vamos acampar novamente em Morrinhos do Sul e fazer o canionismo em Tajuvas, dessa vez rapelando todas as cachoeiras que em maio não fora possível. O dia está supimpa, céu de brigadeiro, calor de sauna finlandesa. A dona da casa onde deixo o carro estacionado me reconhece. Alegre, puxa prosa comigo sobre o vídeo no youtube que eu fizera dela (e foi um vizinho que viu! Olha só, o poder da internete alcança rincões onde nem judas imaginaria perder as botas!), assando roscas no forno de barro, quando aqui estive no início do ano. Uma simpatia essa senhora. Eu por mim ficava mais tempo mas a ladeira me chama, hehehe. Rejane, nada acostumada às indiadas, pena pra subi-la. Tomo a dianteira e deixo o casal pra trás. Quando atinjo o topo da colina, o litoral gaúcho descortina-se, secundado pela laguna de Itapeva. Uma delícia essa paisagem! Espero por eles e aproveito pra descansar da mochila que, pra mim, embora sejam apenas 5 kg, pesa um monte pros meus 48 kg. Chegamos ao local do acampamento já quase 19 horas. Kaloca monta a barraca, e Rejane e eu vamos até um pequeno córrego buscar água. A lua cheia dispensa o uso de lanternas e assim ficamos ao redor da fogueira, comendo enquanto jogamos conversa fora. No dia seguinte, iniciamos o canionismo às 10 horas e tudo está terminado, sem maiores percalços, às 16. Chego na pousada e quando entro no refeitório, ouço o borbulhar do feijão no fogão a lenha. As panelas de alumínio penduradas de ganchos na parede reluzem de tão polidas. Encontro Mariazinha encostada à pia, lavando alfaces colhidas, não faz muito, da horta. Mais comentando que perguntando, a irreverente me saúda “E aí, abençoada, foi dessa vez que deixaste tua pomba pendurada nos galhos?” O motivo de tal maledicência se justifica: gostaria a abusada de que eu permanecesse mais na pousada tagarelando com ela. Essa gringa me diverte, e como! Aliás, Mariola é dona de expressões deliciosas tais como “fulano não tem nem pinto pra chutar”, quando o sujeito é pobre e metido a besta. Se enojada de algum papo que eu e Pauleca, seu marido, entretemos, lasca sem mais nem menos “ó, pra vocês, baixei uma cortina acústica”. E fica fumando seu cigarrinho com ar distante. Pauleca, com ar pachorrento, balança a cabeça como quem diz "essa não tem jeito mesmo". Ciente da beleza e do aconchego da pousada, a Mariazinha do Bole Bole diagnostica, com acerto: “Os turistas gostam tanto da pousada que vão embora olhando pra trás.” Mas como quem fica parado é poste, no domingo, repito o canionismo na Via dos Monitores. É ponto de honra a colocação duns grampos na cachoeira de 60 metros. E lá vamos nós, Kaloca e eu, empreender tal missão. Ao contrário da primeira vez em que aqui estive, a gargantinha agora apresenta outra feição. As pedras que, àquela época, luziam de tão molhadas, assanhadamente escorregadias, loucas pra te dar um tombo, agora não apresentam perigo algum: sequinhas e opacas estão. Parecem outras. Incrível, como a chuva realça o colorido da rocha e seus cristais. Putz, pois não é que São Pedro faz um make up trilegal nas rochas?! Kaloca, matreiro, bate com o martelo na pedra pra verificar a solidez da mesma. O som permite avaliar se ela é oca, porque se assim o for, o lugar torna-se proibidésimo, até pra pôr grampo de cabelo. Meu guia, com habilidade adquirida em anos de prática, perde, se tanto, uns 20 minutos perfurando, com martelo na pedra um grampo P. Segundo ele, só sai se houver um terremoto. E “olhe lá”, garante com seu ar confiante. Eis cumprida nossa tarefa em tornar a maior cachoeira da via mais segura pro rapel. Nesse feriadão só repito velhos passeios. Sendo assim, na segunda torno a rapelar as seis cachoeiras da Via dos Iniciantes. Apesar de pequena e estreita, é uma ravina encantadora, circundada de abundante vegetação, típica de mata ciliar, com rochas forradas de musgo verdejante. O ápice desse breve canionismo é saltar do alto duma rocha de 4 m num dos inúmeros poços formados pelo Mampituba. E o meu corpo mergulha tal qual um ponto de exclamação nas águas limpas e tranqüilas do rio. Refrescada, junto-me a Kaloca e Rejane, sentados, abraçadinhos, à margem do rio. De lanche, um abacaxi de Terra de Areia, maduro, no ponto exato. O odor da fruta paira na impecável tarde de Finados. Oxalá meus mortos descansem em paz. Porque eu ...estou!
Um comentário:
ahahahahah ótimo post!
O título então, concordo plenamente!!!
Menina, compra logo um terreninho em praia grande e fique por lá!
A vida é muito curta pra levarmos a sério..rs
Bjão!
PS: Linda a foto da flor!
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