segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Canyon Churriado

Acordo, na sexta-feira, dia seguinte à ceia de Natal, com um pouco de dor de cabeça. Também pudera, começara a festejar o nascimento de Cristo à tarde, bebericando dois bons espumantes gaúchos com minha comadre, após termos finalizado o preparo dos pratos a serem servidos à noite pra família. Tomo, então, um bom banho, lavo a cabeça, almoço um resto do bacalhau que meu primo trouxera, uma rabanada e um pouco de ambrosia. Pra afugentar, em definitivo qualquer ranço de ressaca, nada como beber um copázio de Coca-Cola bem gelada. Assim, refeita dos excessos, deixo Porto Alegre pra trás justo no badalar das 14 horas. Nem hesito em continuar pela BR 101; estrada do Mar, nessa época do ano, nem pensar, porque os veranistas já estão enlouquecidos trafegando ao longo dela. Em Três Cachoeiras, enveredo pela RS 494, fugindo, espertamente, do tráfego pesado dos caminhões na 101. Chego em Praia Grande às 17 e 30 e como estou acalorada demais (o termômetro deve rondar a casa dos 30º C), paro na casa de Kaloca pra me refrescar no Mampituba que corre a 50 metros de sua casa. Um luxo ter amigos com um rio no quintal de casa, não é mesmo? Enquanto nos banhamos, combinamos alguns dos passeios que faremos nos 10 dias em que aqui permanecerei. Quando chego na pousada Colina da Serra, Mariola, como sempre, está na cozinha, auxiliada, dessa feita, por Rosana, sua cunhada, mulher de Zaqueu. Este irmão da gringola é uma figuraça. Irônico e perspicaz, desfia pérolas de sabedoria popular. Dentre elas, adoro a que define mulheres com “tara” de limpeza, quando se refere à irmã e à esposa na questão das lides domésticas (e de outras trocentas que há no planeta): “elas têm pesar de não poder limpar o leite, Bia”, fulmina ele com um muxoxo aborrecido, pitando seu indefectível vermelhinho, apelido que dá à marca dos seus cigarros Hollywood. Prefere, dependendo do vivente, a companhia de porcos, bois, cachorros e cavalos. Cai como uma luva em Zaqueu os versos duma canção de Pescuma, Henrique e Claudinho, cantores matogrossenses, cujo estribilho louva que “cada cidade tem seus tipos, Praia Grande também os têm, porque uma cidade sem eles vive cheia de ninguém”. Descontraída, a conversa rola solta com este homem de pequenos olhos azuis e nariz adunco. Na frente de sua casa, enquanto sorvemos um mate amargo, enfeita nossa visão a imponente presença do canyon Malacara. No dia seguinte, lá pelas 10 da matina, vamos eu e Kaloca pra garganta do Café, por uma via diferente da que costumamos trilhar. A primeira cachu não se mostra tão fácil assim de desescalar sem cordas motivo pelo qual ele faz a ancoragem numa árvore pra facilitar a descida. Nas outras duas, ele inicia os procedimentos de grampeação. Claro está que me limito apenas em olhar e filmar meu guia colocando as seguranças fixas nas cachus. A primeira, cuja altura não excede 20 m, é uma queda vertical positiva, muito gostosa de rapelar. A pedra basáltica, de coloração acinzentada, é lisa, revestida em certos trechos por espessa camada de musgo. Com pouquíssima água, é uma tetéia. A segunda, de 60 m, Kaloca resolve fazê-la em 2 cordadas. Pra tanto coloca um grampo P, em sua borda, e outro, 15 m mais abaixo. Cada procedimento de grampeação demora em torno de 40 minutos (ele não usa furadeira, tão-somente um parafuso e um formão, é no muque mesmo!). Assim eu desço os 45 m restantes, cujo desnível apresenta dois bons degraus, aproveitando pra curtir e filmar, descansadamente, em cada parada. Depois mais 6 cachus até o pastinho. O dia está ganho. Embora o domingão amanheça com céu descoberto, aproveito pra descansar. Combino durante o café da manhã, com outro hóspede, Marcos, um gaúcho, radicado no Rio de Janeiro, fazermos à tardinha uma caminhada até o poço do Malacara. Como é fim de ano, os filhos de Maria e Paulo, Mariana e João Paulo, que estudam e trabalham em outras cidades, estão de férias em Praia Grande. Passo uma boa parte da tarde, implicando com Mariana, cuja natureza é até mais abusada que a de sua mãe. É.....a fruta não cai muito longe da árvore, hehehe.
Quando acordo às 03:45, a primeira coisa que faço é olhar pro céu. Embora a leste o céu permaneça estrelado, há indícios de viração pras bandas do ocidente. E isso não é lá bom augúrio, não! Vá que mele um canionismo por mim há tanto acalentado, pombas! A um, porque o Churriado, junto  com o Malacara e o Fortaleza, faz parte da badalada trindade de cânions do Parque Nacional da Serra Geral. A dois, porque Kaloca me garantiu que é um canyon com pouca água. Suponho, portanto, que será moleza, sopinha no mel sua travessia. Segunda-feira, então, rumamos pro Churriado. Situado a oeste do Malacara, compartilha sua parede sul com a parede norte deste perau. Menor do que o Malaca, com 3,5 km de extensão, revela uma topografia totalmente diversa, embora ambos tenham escavadas em suas paredes gargantas laterais, erodidas por córregos cujas nascentes têm origem nos campos de cima da serra. Contudo, algumas das ravinas resultam dos desmoronamentos de terra causados por enxurradas que deixaram exposto o basalto liso e negro. O canyon tem um desenho peculiar. A partir do vértice, porque escorre um córrego de águas medíocres, impedindo que sua ação erosiva escave largos degraus, inexiste, em quase um terço de sua extensão, entre uma cachoeira e outra, uma superfície plana, como na maioria dos outros que conheço. Seu declive, portanto, é bem acentuado. As paredes, próxima uma da outra, são cobertas por espessa vegetação, impedindo que se as aviste. Como conseqüência, eis, também, barrada a entrada abundante da luz solar, motivo por que, neste trecho, o interior do canyon tem suas pedras completamente forradas por diferentes tipos de musgo. É um show a tapeçaria tramada por tal vegetação sobre as rochas! A pouca altura das cachoeiras, provavelmente, decorre do pouco volume d’água que vaza do tímido córrego perau abaixo. Nada além de quatro singelas cachus obrigam ao rapel (as demais são facilmente desescaladas sem o auxílio de corda), cujas alturas são de 30 m, 8, 20 e 25. Grampeada somente a primeira; nas outras três, as ancoragens são feitas nas árvores. Tudo dentro dum padrão ISO 9000 pra lá de correto hehe! Após percorrida quase metade do canyon, é possível entrever os topos dos paredões, cuja parede norte apresenta, na sua cumeeira, belas formações rochosas em formato de torres arredondadas e agulhas com perfis de cunha. Observo ser mais estreito que o Malaca e os Índios Coroados, com certeza! Depois dum percurso de 1 km, escorrem, pelas gargantas laterais, engrossando o leito do córrego Churriado, filetes d’água, responsáveis pela formação de cascatinhas e poços, distribuídos em abundância no restante do trajeto. Um convite delicioso ao banho que não recuso porque o calorão provocado pela roupa de neoprene me faz suar demais! Daí pra frente, o Churriado torna-se um canyon “molhado”. Somente à tarde, há uma trégua na feição acinzentada da paisagem, entrevendo-se nacos de azul no céu. Raios de sol tornam mais luzidia a vegetação. Beija-flores voam a um palmo do meu nariz. Jararacas e até um pequenino caranguejo de carapaça preta dão pinta na trilha. Begônias, de delicadas flores brancas e miolo amarelo, brotam discretas entre as pedras. Cardumes de girinos circulam, nervosos, pra lá e pra cá nos poços de águas límpidas. Como a natureza é caprichosa, ainda mais em se tratando duma região de microclima como a de Praia Grande. Madrugada ainda, enquanto caminhávamos pelos campos de cima da serra em direção ao canyon, a noite escura, dum breu sem qualquer fulgor, não fornecia pista alguma do que o dia nos reservaria. Contudo, nem bem alvorecera, um céu despejado de nuvens alardeava o prenúncio dum baita dia, colorindo de rosa, laranja e violeta a barra do horizonte. Tsk tsk tsk.....pouco durou tal concerto policromático porque ao chegarmos ao vértice do canyon já a cerração afugentara a paisagem. Triste engano o meu quando supus que o canionismo ia ser barbada! Dolorosamente exaustivo, esgotou tanto as minhas energias que conseguiu me emudecer (!!) ao cabo e ao fim da lonnnnga pernada. Também pudera: foram mais de 10 horas (pouquíssimas paradas pra descanso), calcorreando por entre o inclemente pedrario que reveste o leito do rio. No final eu me arrastava tal qual uma lesma, confesso! Pra vocês terem uma idéia, entramos no Churriado às 5:30 e terminamos a travessia, na comunidade Vista Alegre, às 19 horas. O que me salvou da derrocada (no final da jornada, jurava, entredentes, que nunca mais iria repeti-la) foi a companhia do irmão de Kaloca, Patrício, um cara super zen, alto astral, a quem, às vezes, eu chamava de Patrique, provavelmente baratinada de cansaço e porque ele é louro, lembrando um gringo. Pergunta pra mim se eu volto lá? Claro que simmmm!!!