segunda-feira, 13 de junho de 2016

Salta la Linda!

O projeto inicial das curtas férias que programo para junho é pedalar no vale de Calchaquies, situado na província argentina de Salta. Contudo, por falta de quórum (tem de ter no mínimo 2 pessoas) não rolou. Ainda assim, minha curiosidade sobre essa região da Argentina se manteve e consegui me encaixar num grupo pra fazer o Trek de las Nubes. Contatos estabelecidos com a MTB Salta (http://mtbsalta.com/), deixo Porto numa segunda ao ½ dia rumo àquela cidade com conexão em Buenos Aires. Por causa da alta do dólar, a brasilerada trocou Miami e Nova York por Montevideo e Buenos Aires. Embora saia mais em conta viajar a estas capitais, ainda assim a vantagem não é lá muito grande por conta da carestia que inflaciona o preço dos bens e serviços em ambos países platinos. Em frente ao posto do Banco Nacional, no Aeroparque, forma-se uma longa fila de compatriotas ansiosos por trocar seus desvalorizados reais pelos igualmente depreciados pesos. Espero quase uma hora até que chegue minha vez porque, apesar de haver dois caixas, um deles raramente dá o ar da graça. Aliás, os ditos funcionários exibem certo desprezo enquanto contam as cédulas a serem cambiadas. Será que se eu entregasse millones, eles perderiam essa pose? Nem esquento pela demora porque me sobra tempo até embarcar no avião que me levará a Salta. Portanto, trato de me distrair puxando conversa com um casal de paulistas enfileirados atrás de mim. Não dá nem 10 minutos e outros brasileiros se juntam a nós em animado conversê. Via de regra, se passa mais tempo esperando conexão do que voando. No meu caso, o tempo total de voo entre Salta e Poa deveria durar 4 horas se fosse direto. Como há a tal troca de aeronaves (tecnicamente, chamada conexão) em Buenos Aires, ali demoro igual tempo à soma dos 2 voos, ou seja, chego em Salta 8 horas após ter partido de Porto Alegre!! Bueno, a bem da verdade, meu conhecimento sobre Salta foi superficial porque passei mais tempo explorando suas serranias distantes 70 km. O dia de minha chegada nem conta porque aterrisso em Salta às 20 horas da segunda-feira. Sobram então dos 8 dias de férias pra curtir a city, o dia seguinte, mais domingo e segunda posteriores ao trek. Na terça, então, vou à sede da MTB Salta e acerto com Nacho o Circuito Yungas, pedal de meio dia que inicia às 10 horas. Embarcamos numa flamante 4x4 e passamos num hostal pra pegar mais gente. São duas moças, gêmeas, e um rapaz, namorado de uma delas, naturais da Irlanda. Simpáticos, pedalam bem embora não sejam praticantes assíduos do esporte. Pena que o pesado sotaque irlandês me impeça de socializar mais com o trio. Rodamos de carro uns 15 km até Finca de Las Costas, situada em San Lorenzo, município limítrofe à Salta. O pedal de 12 km é super light. Dura com intervalo pra lanche 2 horas. Percorrem-se estradinhas de chão batido com subidas e descidas suaves, algumas delas ladeadas de plátanos exibindo bela coloração avermelhada, típica do outono. Nesta região chamada Yungas, a vegetação existente é formada por compactos bosques que crescem nas encostas das serranias que circundam o vale de Lerma. Terminada a atividade, almoço num restaurante em frente à Plaza 9 de Julio que tá valendo como janta porque já são 16 horas! A fome é tanta que devoro 2 suculentos medalhões de filé au poivre. Aprovo o vinho tinto produzido na região de Calchaquies que pedi pra provar. Afinal, não são só nos parreirais de Mendoza que frutificam boas videiras. Nos 2 dias posteriores ao trek, fico praticamente todo o domingo no hotel, deitada, assistindo aos incrivelmente cafonas programas da televisão argentina. A uma porque quadríceps e panturrilhas estão bem doídos dos vários descensos durante o trek. E a dois pela justificada preguiça resultante da exaustiva atividade física. Pra não dizer que não saio, vou almoçar num restaurante em frente à Plaza 9 de Julio, ponto central da cidade onde destacam-se o Cabildo, a catedral e o museu de Alta Montanha. Neste, o único prédio por mim visitado, são expostos, um por vez, os 3 meninos incas encontrados mumificados no vulcão Llullaillaco. Impactante se deparar com aquele pequeno ser, curvado sobre si, com a cabeça pendente entre os joelhos, como se estivesse escondendo o medo diante da iminência de seu sacrifício. Na segunda, reservo a manhã pra ficar na cama, lendo e curtindo os programas televisivos discutirem ad nauseam a notícia que mesmeriza os argentinos: a prisão de Jose Lopez, ex-secretário de Obras Públicas do governo de los K – como os argentinos se referem aos Kircherner -, pego com a boca na botija tentando enterrar mais de 8 milhões de dólares no jardim dum convento abandonado. Mas as notícias sensacionalistas não param por aí: a também espetacular detenção do procuradíssimo narcotraficante Perez Corradi, no Paraguai, merece igual atenção porque dizem as "más  línguas oposicionistas" que sua atividade ilegal bem pode ter recebido uma forcinha do antigo governo dos K. Como tenho de almoçar, sou obrigada a sair e escolho o tradicional Criollita, famoso por suas empanadas. Mais que as empanadas, me delicio mesmo com os tamales. Caprichosamente enrolados em palha de milho, lembram no formato pequenos bombons. Pra não dizer que sou nojenta, decido à tarde passear num daqueles busões de 2 andares mas quando chego no quiosque o raio do veículo já havia saído. Faço então um city tour numa van cuja única estrangeira sou eu, o restante, argentinos de diversas províncias do país. Santo deus, o apelo comercial prepondera sobre o cultural, de tal modo que, em quatro paradas, 3 exibem as infalíveis tendas de artesanato regional. Mesmo assim, a narrativa do guia durante as 3 horas e o giro pela cidade e seus arredores, como a bela quebrada de San Lorenzo, valem o preço quando não se tem muito tempo pra conhecer um lugar. Apesar da breve permanência em Salta, percebo que em dias ensolarados os cerros ao redor da cidade revelam a plenitude de seus verdejantes perfis. Que em algumas de suas praças e ruas foram plantadas laranjeiras, nesta época do ano, carregadinhas de frutas!! Que Salta la Linda, como seus habitantes orgulhosamente a chamam, se situa no noroeste da Argentina, aos pés da pré-cordilheira dos Andes, a 1.187 metros acima do nível do mar, espalhando-se pelo vale de Lerma. Que vivem em seu perímetro aproximadamente 500.000 habitantes. Que do alto do cerro São Bernardo se tem uma visão panorâmica de seu entorno. Que em La Linda foram construídas diversas igrejas, algumas pintadas em vibrantes tonalidades rosa e ocre, destacando-se a Nuestra Señora de la Candelaria de la Viña e sua magnífica e arredondada cúpula ladrilhada de azul. Que a cidade é movimentada com tráfego intenso de carros cujos motoristas desrespeitam, à semelhança do Brasil, as faixas de pedestres! Que há garçons simpáticos e outros mal humorados. Que há mais restaurantes servindo menu turístico do que ranguinho regional. Porém o mais importante: dá pra andar nas calles sem medo de ser assaltada. A bandidagem, aleluia, ainda não descobriu Salta!!

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